sábado, 2 de agosto de 2014

A ocupação do Sertão


“Será que nunca faremos se não confirmar a incompetência da América Católica que sempre precisará de legítimos tiranos."

Para compreendermos uma localidade e seu povo, é necessário analisarmos esta localidade, levando-se em consideração os objetivos postos na sua ocupação e origem. Muitos usos, costumes e relações sociais que se estabeleceram ao longo do tempo, geralmente, têm sua gênese nos primórdios organizacionais de um povo. 

É do período colonial de nossa história que trazemos muito do que somos. Foram mais de três séculos de conquista, ocupação e dominação européia. Deixando no seu transcorrer costumes, que vão do cotidiano às relações de poder. É deste período, com as Capitanias Hereditárias e as doações de sesmarias, que surge a concentração de terras no Brasil, origem do problema fundiário nacional.

Paraíba em meados do século XVII e, posteriormente a formação do Vale do Piancó, foi um processo sangrento dado os diferentes valores entre índios e colonos. Para o europeu, o lucro era mola propulsora da ocupação; para o índio, que não compreendeia a acumulação de bens, a importância era a terra, da qual tirava o sustento para sua tribo. Havia, portanto, um choque de interesses sobre um mesmo local

O que isso tem haver com a cidade de Itaporanga? Não só ela, mas todo o sertão paraibano foi ocupado neste contexto de lutas entre colonos e índios, pela posse da terra, justificada pela Coroa portuguesa. Assim foi com a formação da região do Vale do Piancó, onde se localiza Itaporanga

A formação do Vale do Piancó – Índios e cidades “E aquilo que nesse momento se revelará aos povos, surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado culto quando terá sido o óbvio”. (Um índio, Caetano Veloso). É sempre polêmica qualquer tentativa de classificação indígena de períodos distantes, o que não é nossa pretensão neste texto. Três aspectos refletem este quadro: primeiro, a falta de interesse dos pesquisadores em relação ao tema; segundo, a dificuldade e escassez de fontes; por último, o registro que nos ficou está extremamente ligado à ótica dos vencedores portugueses, o que, por isso mesmo, não nos dá um retrato fiel de como viviam os primeiros habitantes do Brasil. Nosso objetivo aqui é tentar traçar um quadro básico dos primeiros habitantes do sertão paraibano e sua participação na formação dos primeiros núcleos de povoação. 

De acordo com a historiografia clássica, os índios que habitavam o sertão paraibano eram os tapuias, divididos em cariris e tairairiús. A região do Vale do Piancó seria habitada pelos índios curemas, icós e piancós. Teria sido uma das mais habitadas pelos índios cariris. O historiador Irineu Joffily, saudoso campinense, nos fala de uma tribo ou “subtribo” chamada piancó, segundo ele, deviam ter sofrido muito com os ataques dos bandeirantes que penetravam o sertão por aquela época, mas que, mesmo assim, conseguiram formar duas aldeias – provavelmente com as missões católicas – a de São José de Panaty, que daria origem mais tarde a atual cidade de Piancó e a de Curema, que daria origem a atual cidade de Curemas (JOFFILY, 1977, p. 113-122). 

Domingos Jorge Velho
Nasceu  em 13/01/1641 - Bauru / SP
Faleceu em 02/04/1705 - Piancó /PB
As populações que aí viviam, não só viram suas terras serem ocupadas, como suas famílias serem transformadas em mercadorias e vendidas como escravos para mão-de-obra nos engenhos do litoral. Isto provocou reações que culminaram numa das maiores guerras que já ocorreu em território brasileiro: a Confederação dos Cariris, reação de tribos indígenas contra os abusos europeus. Nos sertões, ela durou de 1680 a 1730 mais ou menos e teria envolvido uma vasta nação indígena que hoje corresponderia em termos territoriais ao interior dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. A contra-reação portuguesa a esta foi sangrenta, exterminando e empurrando para o oeste os índios que conseguiam sobreviver. Na Paraíba, dos locais de maior resistência indígena, tem-se às regiões do rio Piranhas e Piancó, para onde se dirigiram os mais implacáveis sertanistas. “Um deles, o coronel Manoel de Araújo – talvez o precursor da genealogia Araújo no sertão paraibano - deslocou-se com gado e cento e cinqüenta homens bem armados, de fazenda do rio São Francisco para a zona ocupada pelos índios curemas, que eram da nação cariri (...) A ocupação do sertão da Paraíba fez-se sangrenta e nele, escaramuças estenderam-se ata 1750” (MELO, 1997, p. 76–78). 

Seria de tal período o índio guerreiro Piancó que batiza o vale do rio que corta a região – de acordo com a tradição teria sido um grande chefe guerreiro, o que necessita de maior aprofundamento, por povoar mais a tradição do que as documentações conhecidas, uma vez que Piancó, segundo nos coloca o historiador Irineu Joffily, seria uma tribo cariri e não um chefe indígena. O certo é que as aldeias indígenas deste período, sejam elas de índios rebeldes ou de índios aculturados (“civilizados”), tiveram um papel importante na demarcação de núcleos populacionais que, atualmente são algumas das cidades do sertão paraibano e do Vale do Piancó em particular. Podemos citar alguns exemplos em consonância com o historiador Irineu Joffily: Aldeia dos Icós Pequenos (atual Souza); aldeia dos Pegas (atual Pombal); aldeia de N. S. do Rosário do Curema (atual Curemas); aldeia de S. José de Panaty (atual Piancó) entre outras.

Índios icós-pequenos
Começo a falar de uma história de Itaporanga resgatando o elemento indígena por questões de dívida histórica e historiográfica para com aqueles que muito antes de nós, percorriam as serras e rios do Vale do Piancó, numa simbiose harmônica homem/ natureza como legítimos donos da terra e por que não dizer, nossos ancestrais culturais e até mesmo, em alguns casos, genéticos. Dos índios, como nos fala Gilberto Freyre, “... é que veio (...) o anseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente e espelhinho no bolso, o cabelo brilhante de loção (...) reflete a influência de tão remotos avós”.

Lourival Inácio

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