sábado, 27 de setembro de 2014

Sociedade de Itaporanga comovida com crime passional


Itaporanga PB - Oito de junho de 1967. Motivado por um ciúme incontrolável, o fiscal de renda Luiz Augusto de Carvalho, então com 36 anos, mata a tiros a própria esposa, Mércia Felinto, que tinha 23, o motorista do casal, Chico de Jaime, e depois suicida-se em uma casa da praça da Prefeitura cercada por policiais e curiosos. Desde então, Itaporanga não registrava um crime passional tão comovente quanto o ocorrido no sábado, 6 de junho(2009) último.

A mais impressionante tragédia passional dos últimos 42 anos ocorreu em frente a maior unidade militar da região, mas o fato foi inevitável: quando os policiais militares, concentrados nos afazeres do aquartelamento, deram conta do que estava acontecendo e principiaram uma reação, dois corpos já agonizavam sobre o piso da Rua José Inácio de Araújo, onde residia o homicida-suicida. Uma paixão desfeita em sangue.

Nem a própria vítima, a estudante de fisioterapia Orkácia de Sousa Silva, que vivia a véspera dos seus 20 anos, poderia prever as reais intenções do homem com o qual convivia há, pelo menos, quatro anos: quem conhecia Valdivino Bronzeado dos Santos não imaginava que ele fosse capaz de ato tão extremo contra si e contra alguém que demonstrava amar, embora já não fosse mais sua namorada. Tratava-se de um rapaz calmo, instruído e trabalhador. Era distribuidor do sorvete Cremosinn em Itaporanga.

É provável que já planejasse o fim dos dois quando, na manhã do sábado, 6 de junho, um dia antes do aniversário dela(07/06 e a um mês do dele 06/07), encontrou a ex-namorada na saída do hospital, onde ela estagiava, e os dois seguiram de moto até à casa dele, mas não havia presente de aniversário à espera da jovem, e, em trinta segundos, tudo foi consumado: com um revólver embrulhado na sacola timbrada de uma famosa loja de cosmético da cidade, o rapaz saiu de casa e reaproximou-se da estudante, que o aguardava do lado de fora, sem que ela percebesse o que estava prestes a acontecer.

Depois de disparar quatro vezes contra Orkácia, Valdivino atirou contra sua própria cabeça diante dos olhos perplexos da mãe, que, da porta de casa, assistiu aos últimos instantes do filho. Para dona Anita, de 67 anos, tão terrível quanto aquele instante foram as três longas horas em que o corpo do seu filho ficou estirado na rua à espera do carro do IML (Instituto de Medicina Legal) de Patos, sem que ela pudesse, sequer, aproximar-se do filho. “O que deixou a família mais revoltada foi porque ele deveria ter sido socorrido, como socorreram a menina, pois ele não morreu imediatamente, e o correto seria tê-lo levado para o hospital como nos disse uma médica”, comenta Ana, irmã mais velha de Valdivino. “Meu filho era um homem de bem, nunca pegou nem num canivete, mas esse amor lhe deixou cego e ele teve um fim que não merecia”, desabafa chorosa a mãe.

Para alguns juristas ouvidos pela Folha, como foi um suicídio testemunhado, ou seja, não houve participação de terceiros no episódio e, portanto, como não haveria necessidade de se apurar o cenário do crime, o corpo poderia ter sido levado para o necrotério do hospital de onde seguiria para o IML, mas somente o delegado poderia autorizar a retirada do rapaz do local onde ocorreu o fato.


Duas famílias e muita dor
Sofrimento também para a família da jovem, que foi socorrida para o hospital de Itaporanga, onde a mãe e uma irmã são enfermeiras, e depois transferida para Patos, onde faleceu dois dias depois. Maria Aparecida de Sousa, a mãe, e Orkícia de Sousa Silva, a irmã, estavam de plantão quando Orkácia foi hospitalizada. Embora acostumada ao convívio da tragédia e à luta contra a morte, a mãe não suportou a terrível surpresa e teve que ser medicada. Um choque emocional violento: a menina, que havia saído há poucos minutos do hospital bem e feliz, agora retornava gravemente lesionada.

A jovem chegou ao hospital consciente, um sinal de esperança para a família de que ela pudesse sobreviver: foram 48 horas de luta pela vida, mas não houve jeito. Comoção sem precedentes para pai, mãe e irmãos que perderam um dos seus entes mais queridos: uma jovem cheia de vida e com um futuro profissional promissor.

Orkácia seguia os passos profissionais da mãe e da irmã: a área de saúde era sua vocação. A estudante cursava fisioterapia em Patos e estagiava no hospital de Itaporanga.

Diferentes
Valdivino era quinze anos mais velho do que Orkácia. Ele faria 35 no próximo dia seis de julho, mas a diferença entre eles não se restringiam somente à idade: ela era uma garota extrovertida e que gostava de sair; ele, um rapaz fechado e caseiro. Nem no gosto musical combinavam-se: ela gostava de pop rock e era fã do cantor Renato Russo, já falecido; enquanto Valdivino era voltado à cultura rural: a literatura de cordel, o repente e o forró de raiz eram suas preferências, e até arriscava alguns versos. Deixou vários textos escritos.

Os dois namoravam há, pelo menos, quatro anos. Nesse período, terminaram e reataram a relação várias vezes, mas o último rompimento era definitivo. Dias antes do fato, Orkácia confessou a amigos que há dois meses tinha terminado com Valdivino e que não haveria reconciliação. Mas o curioso é que, constantemente, eram vistos juntos. Talvez fosse uma tentativa dele de reconquistá-la. Os problemas amorosos acarretaram profundos abalos emocionais em Valdivino. Perdeu peso e aparentava sinais de depressão. Diante das preocupações da mãe, disse apenas que estava doente, mas os exames não detectaram nenhum problema de ordem física. Por orientação da mãe de Orkácia, ele procurou ajuda psicológica e estava em tratamento no Caps (Centro de Apoio Psíquico Social).

Mas o grande problema de Valdivino era que ele não se abria com a família nem desabafava aos amigos: tentava resolver sozinho seus conflitos íntimos. Suportou solitário uma carga sentimental excessivamente pesada e que o levou ao desespero extremo.

Deixa um filho
Ele residia com a mãe, que é viúva há dois anos e, pelo resto da vida, lembrará o triste seis de junho, mas haverá também lembranças boas do filho querido: Valdivino lhe deixou um neto. Natanael tem oito anos e nasceu de um relacionamento anterior do rapaz. Nas páginas de relacionamento(orkut) de Valdivino e Orkácia, mensagens de pesar e lamento dos amigos e recordações fotográficas do tempo em que viviam bem, inclusive imagens do aniversário dela em 2008, desejos de felicidade que não se concretizaram em 2009.

Inquérito
O Delegado de Polícia Civil do município de Itaporanga, Elcenho Leite, instalou inquérito para apurar as circunstâncias do fato, especialmente com relação à origem da arma, um revólver calibre 38, usado por Valdivino para matar a ex-namorada e depois tirar a própria vida.

* Matéria transcrita da Edição nº 152(Ano 08 - 03 à 23 de Junho de 2009) do Jornal Folha do Vale. O jornal de maior circulação na região do Vale do Piancó, no sertão do Estado da Paraíba.

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