sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ITAPORANGA DE OUTRORA

Dr.Antonio Soares da Fonseca Jr

-- Temos um novo vigário, temos um novo pároco!!!

A notícia se espalhou como um rastilho e a explosão subseqüente. 
-- Que historia é essa??

-- É, sim, temos um novo vigário. Chama-se Pe. José Sinfrônio de Assis Filho.
Foi o efeito de um petardo. 

O povo ainda não havia se refeito da perda de Monsenhor Manoel Firmino que morrera às vésperas de São João do ano de 1954.  

Assumira, temporariamente, o cargo seu coadjuntor Padre Luiz Gualberto, para quem os itaporanguenses haviam transferido as suas esperanças e carinho.

Padre Gualberto tinha as características de um apascentador. Homem ponderado, bondoso, riso largo em um rosto arredondado e uma calvície já fazendo estreia em uma testa que ficou mais alargada.

A sensação de orfandade com a perda de Padre Firmino foi tendo um lenitivo com este coadjutor que, de uma forma bem carismática, foi arrebanhando as suas ovelhas para um redil transitório, mas, seguro.

Era quase meio do ano de 1955 quando a notícia de um novo pároco explodiu naquela Itaporanga.

As pessoas, em menos de um ano, se sentiram novamente abaladas, órfãs, traídas, já que o apego ao Padre Gualberto tomara foros de uma administração paroquial longa e definitiva com a sua pessoa.

O inconformismo levou as autoridades civis e representantes populares a formar uma comissão para ir até Cajazeiras pedir ao bispo que deixasse o carismático e sorridente Gualberto na pequena freguesia de Itaporanga.

Não se conseguiu o resultado ansiado e o Padre Sinfrônio ficou. 

Ficou e começou a chacoalhar a pequena cidade com a fundação da Escola Paroquial São Domingos Sávio, com a formação de um salão onde se jogava ping-pong e pebolim, até então desconhecidos na cidade. Era uma maneira de atrair crianças maiores e adolescentes e através delas os seus pais. 

Que excelente estratégia de conquista! 

Fundou a Cruzada Eucarística Infantil, a “Schola Cantorum” (o coral sacro da igreja) e a equipe de catequese que, distribuída de forma racional e bem estratégica, ia a todos os bairros periféricos buscar a meninada no domingo à tarde para missa das crianças às 17 h.
O novo vigário era sério, porém feérico e muito irrequieto. Estrategicamente, mexeu com todas as camadas de Itaporanga: crianças, adolescentes, homens e mulheres adultos e casados. Faltava apenas um ultimo segmento desta sociedade que era composta de rapazes e moças, camada formada por adultos jovens solteiros.

Mais uma vez entra em cena o “crânio” do padre novo.

Na mesma época da vinda de Padre Sinfrônio, que agora já era chamado íntima e carinhosamente de Padre Zé, apareceu um outro homem, novo, calado, mas, igualmente sonhador, com uma inteligência descomunal, um cabedal de cultura como poucos que conheci – chamava-se Fernão Dias.

O respeito mútuo e tácito foi silenciosamente acontecido entre os dois. 

Poder-se-ia até dizer que eram dois mosqueteiros, dois espadachins com atitudes diferentes para uma mesma finalidade: ativar o sistema nervoso central de Itaporanga para que a cidade aumentasse o seu buliço e congregasse todos numa mesma direção.

Fundaram o teatro de Itaporanga, uma entidade virtual com empreendimentos reais. 

Fernão Dias era uma espécie de conselheiro, ouvidor, ombudsman ou até o grilo falante das historias infantis, sem o qual o Padre Zé não empreendia suas investidas arrojadas. Até nos planos de reforma da nova igreja – que é hoje a Igreja Nova – os dois mosqueteiros juntaram os seus neurônios para o resultado tão bonito que hoje é o nosso orgulho arquitetônico.

Aproximava-se o dia sete de setembro, dia de glória para a Pátria, mas, um dia de gala para Itaporanga.

Eu era muito criança, entre oito e nove anos de idade, contudo, com uma lembrança muito viva e recente da época das festividades civis, em que o dedo de Padre Zé mexia na panelinha.

Os dias que antecediam o dia da Independência, eram dias de correria, de ansiedade e de alvoroço na cidade. Tudo e todos participavam. O comércio aumentava as suas vendas com adereços para roupas, carros alegóricos e embelezamento da cidade. Era um rebuliço saudável e benfazejo, onde a concorrência partidária obrigava cada um a dar o melhor de si com o fito de fazer mais bonito e mais certo.

O dia 06 de setembro era o dia em que a cidade “pegava fogo” com os preparativos iminentes. No dia 07, às cinco horas da manhã, a difusora de Ananias acordava a cidade com valsas antigas, dobrados e marchas militares.

Não dava vontade de sair da rede. Era gostoso ficar ouvindo a música tangida pela brisa matinal que chegava aos ouvidos com nitidez ou fugidamente, dependendo da velocidade do vento. A vontade era prolongar aquele momento mágico até o inimaginável.

A cidade, porém, tinha de acordar e o fazia de uma maneira bem efusiva, bem alegre, bem alvissareira. 

O sino da igreja tocava a chamada para a missa campal.

Era outro momento mágico. 

Ao sabor do frescor da manhã se juntavam na praça da igreja toda a comunidade religiosa e o povo em geral.

Todos, com sua melhor roupa, devidamente lavada e engomada. Orgulhosamente, as pessoas ostentavam os símbolos de cada comunidade. As Filhas de Maria, as Terezianas, as Franciscanas e as do Sagrado Coração de Jesus, conhecidas como zeladoras. A Cruzadinha Infantil também presente, toda vestida de branco impecável com as queridas fitas, de um amarelo bem vivo, penduradas no peito esquerdo ou cruzadas no tórax, indo do ombro esquerdo ao quadril direito.

Cada escola ou colégio com suas respectivas fardas se fazia presente. As freiras carmelitas e as meninas do internato embelezavam mais ainda o cenário.

Todos alegres, felizes, risonhos e ansiosos, numa conversa baixinha, quase cochichada.
Quando Irineu, o sineiro, ou “Primo” como era mais conhecido, batia as três pancadas (também chamadas de minutos) se fazia um silêncio total.

O perfume gostoso e místico do incenso se volatizava com a fumaça do turíbulo, subindo para o alto, anunciando a presença sacerdotal. Ouvia-se então o “Introibo ad altare Dei” e os coroinhas respondiam “Ad Deum qui laetificat juventutem meam”. Daí em diante, era tudo magia; até os nossos ouvidos não mais percebiam tanto a voz desafinada do Padre Zé entoando o canto gregoriano.

A voz angelical das moças do coral, sob a execução do maestro Valfredo de Souza, se elevava aos céus.

Tudo era divino e maravilhoso. Após a missa, acontecia o tão esperado desfile cívico.

Descendo a Av. Getúlio Vargas (que naquele tempo não era arborizada) vinham marchando, em 1º lugar, as alunas do Colégio Padre Diniz, vestidas de blusa com gola e apliques de marinheiro e saia plissada, de um azul escuro, chamado azul marinho. Era emocionante; mexiam os braços e pernas ao mesmo tempo, num sincronismo belíssimo, cantando uma música que o inexorável tempo tenta apagar de minha memória.

“Somos estudantes destemidas
desta gloriosa e ideal nação...”

Em seguida marchava o Grupo Escolar Simeão Leal e, em último lugar, carinhosamente chamadas de “frasqueira”, as escolas particulares e entre elas, as famosas escolas de Mariquita e Dona Laura em que, nesta ultima, tive a honra de engatinhar os meus primeiros passos no aprendizado escolar. 

Obrigado Laura Araújo, minha eterna gratidão.


Esta era uma Itaporanga de outrora. Não sei se ela existe mais ou se o Padre Zé está levando-a para o céu. Eu só sei que ela permanece imorredoura em meu coração.

São Paulo, 01 de setembro de 2006.

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