terça-feira, 9 de junho de 2015

L E M B R A N Ç A

Onildo Sitonio

Quando eu tinha meus seis anos, lembro-me bem, como agora, 
Lourdinha de Zé Ferreira, chegou pra mim e me disse:
- Onildo, vim te falar, tô triste, visse,
que tua mãe ta chamando, pra ver teu pai
que tá ruim, já está chegando ao fim¨.
Era uma quarta-feira, de manhã, umas nove horas!
Eu estava lá no grupo, em cima da balaustrada,
com uma porção de meninos, quase todos lá da rua. 
Vestido com a parte de baixo e a parte de cima nua,
como era, da molecada, a vestimenta completa,
pra não dar muito trabalho, pra roupa pouca lavar,
pois roupa de muita gente, não há mãe que aguente,
e o sabão custa caro...precisa muito ganhar!
Estávamos, todos, sentados, no mais alto canto do muro,
assistindo ao desembarque, de um monte de bois pé-duro,
que sempre desembarcavam aproveitando a calçada 
que era alta e comprida, um lugar bem ideal,
uma parte da estrutura do Grupo Simeão Leal. 
Foi uma manhã de agonia!!!
Eu nunca esqueço esse dia!!!
Corri pra casa, chorando, desesperado, coitado!
Muita gente lá em casa, como já era esperado,
pois meu pai, que Deus o tenha, era um homem prezado!
Quem conheceu Zé Sitonio, homem probo e de bom conceito,
que só fazia o bem, na vida impunha respeito,
mas, teimoso como uma mula, a ninguém queria ouvir.
Isso fez minha irmã, Terezinha, vir lá de Campina Grande,
somente para buscar, num automóvel fretado,
meu pai para se tratar com uma melhor medicina.
O homem não quis saber, de viajar como estava!
Pra ele ¨passava¨ bem , de nada reclamava!
Tendo o Doutor Balduíino, de sua plena confiança,
a lhe dar o tratamento, não pensava em outro médico.
Esse já lhe bastava!
Ledo engano, meu amigo!
Mesmo com toda a ciência, que Deus deu ao Doutor,
meu pai tinha um tumor, se não me engano, no fígado.
O recurso era pequeno, tinha de levar pra fora.
Mas, ele, com a teimosia, dizia chegou a hora.
Não adianta tentar, pois eu sei que vou morrer!
A doença me pegou, e não há no mundo Doutor
que consiga me curar!
Quem conheceu esse homem, 
vai se lembrar do momento, da passagem do meu pai:
um grande acontecimento!
O s vizinhos lá da rua, nossa Cinco de Agosto,
ali todos reunidos, em solidariedade, 
pois o velho era querido, ia deixar saudade. 
Seu Zé Ferreira, Seu Polidoro, Seu Pedro e dona Ana
Seu João Crizanto, dona Nita, Raimundão e Nazinhão, 
a minha tia Teté, seu compadre Pedro Môco
Natércio e Joaquim Barbosa, a minha madrinha Ilma
(talvez sua irmã Mará e o povo de Dona Brígida).
Tinha um monte de gente, não dá para me lembrar!
A todos eu perguntava, se o meu pai ia morrer.
Mas eles me respondiam, que ele ia ficar bom.
Uma mentira bondosa, pra não me apavorar!
Mas meu coração pequeno, de menino inteligente,
já estava adivinhando qual seria o resultado:
o quadro estava pintado, não precisava falar.
Lembro-me bem do instante, que o velho faleceu!
Quem estava lá, se lembra, como tudo aconteceu.
Ficava ele deitado, em uma cama patente, 
bem no pé da janela, que dava para a sala. 
Era perto de meio dia!... 
Começou a agonia, aumentou o chororô!
Minha mãe em uma rede, com os meus irmãos pequenos,
Beba e Pililiu, um chorando e outro batendo
no rosto de minha velha, para ela parar de chorar, 
Era tamanha inocência, pobrezinho nem sabia 
o que ali acontecia!
Ele, do jeito que vi, com uma perna arqueada,
e a outra estirada, sobre o colchão de palha,
deu um último suspiro, a perna desarqueou,
entregou o seu espírito, ao Deus, Nosso Senhor. 
O Padre Zé, na missão de dar a extrema-unção,
o meu pobre pai benzeu, a sua ‘alma encomendou.
Pra completar o cenário, eu, no meu pensar de menino
fiquei em cima da casa, quase me torno assassino,
jogando pedra no povo, que chegava pro velório.
Talvez, querendo proteger o corpo querido do pai,
no meu pensar ilusório!
Vê se pode uma coisa dessas!:
o povo querendo entrar, pra cumprimentar a viúva,
e eu na minha tolice, querendo botar pra fora!
Era o fim da história, de uma vida igual,
de um homem que viveu, como qualquer ser normal!
Cuidou da casa, dos filhos, dando a sua providência
com o que Deus lhe dava,
sem achar nem ruim nem bom,
tudo a ele saciava.
Deixou-nos órfãos na vida, uma casa de morada, 
muito trabalho pra Dona Iaiá, que pra criar seus três filhos
muito teve de penar.
Uma outra lembrança inglória, da morte e do seu enterro,
foi quando, no cemitério, lembro como se fosse hoje:
o coveiro a cova abriu, e o caixão colocou...
Uma banda de tijolo por sobre ele jogou...
Foi a primeira coisa que sobre ele caiu!
Só não sabe quem não viu! 
Ou quem também não notou! 
Doloroso demais!
Nunca apaguei da lembrança, por mais que me esforçasse
nem quando fiquei rapaz. 
Essa é uma história verídica, da aurora da minha vida,
da minha infância sofrida, que passei em Itaporanga,
o meu caro torrão natal.
Nem por isso, minha gente, por tudo que lá passei,
deixei de amar a cidade, pois lá foi que me criei!
Lá tenho os meus amigos que nunca esquecerei!
Tenho certeza, que um dia, ao meu ¨amor¨ voltarei!
Lauro de Freitas, 08 de Junho de 2015.

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