“A escada de subir [ao poder] aqui em Itaporanga, eu guardo dentro do meu muro. Só sobe por ela quem eu determinar”. (Praxedes da Silva Pitanga).
“Desde o Império, os municípios brasileiros eram verdadeiros feudos políticos sob domínio das autoridades locais. Com a implantação do regime republicano, esse poderio floresceu – o chamado coronelismo” (Lúcia de Fátima Guerra Ferreira).
Praxedes da Silva Pitanga nasceu na Vila de Misericórdia em dois de março de 1896. Filho de Maximiano de Sousa Conserva, ex-seminarista pernambucano que se instalara em Misericórdia, em matrimônio com a filha do Capitão da Guarda Nacional, João Severino da Silva, a senhora Porfíria Lovina da Silva Conserva. Pitanga era, portanto, filho de uma família tradicional de Misericórdia. Faleceu com mais de 95 anos de idade, em 1991, era advogado de profissão. Na vida política foi prefeito, deputado estadual e federal.
Quando prefeito de Misericórdia (atual Itaporanga), nomeado em 1937 por Argemiro de Figueiredo, com a redemocratização e o fim do Estado Novo, mudou o nome do município, que sempre se chamou Misericórdia para Itaporanga. Intelectual de profunda retórica justificava a mudança de nome do município em 1980 em entrevista a pesquisadores universitários, da seguinte forma.
“Essa questão de nome de lugar traduz em si certo esnobismo. Cada povo, cada grupo humano, cada indivíduo se situa dentro de uma mística, ou seja, de acordo com aquilo que supõe ser verdade. Desde de muito moço eu me insurjo contra aquilo que não é história, embora pareça sê-lo... minha terra não tinha razão para se chamar Misericórdia. Com efeito: os povoadores da região, talvez inspirados nos costumes do tempo, iam dando as feitorias que plantavam o nome do santo do dia, ou de um acontecimento notável. Dou exemplo com os nomes de Conceição (invocação de Nossa Senhora), São Paulo, São Boa ventura, Santa Maria, Santana, e assim por diante.
Nunca consegui saber o porque desse nome de Misericórdia. Bati os arquivos dos cartórios e da paróquia; ouvi várias pessoas mais velhas, e não encontrei motivos para tal nome”.
A historicidade do nome vem em decorrência da sua vida religiosa, Itaporanga surgiu, em 1863, como freguesia com o nome de Nossa Senhora da Conceição de Misericórdia, como nos mostra documentações da época. Porém, chamo a atenção para o mais significativo, o nome que viria – Itaporanga – de origem tupi-guarani que significa “Pedra Bonita”, também não possui em si historicidade, uma vez que os índios que habitavam a região do atual município não eram tupi, mas sim cariri, os tapuias. Talvez, o que soasse mal aos ouvidos de Pitanga fosse o nome Misericórdia, que deveria ser mudado a qual quer custo, como nos faz notar em outro trecho de sua entrevista, quando após levar uma primeira recusa do Conselho de Geografia e História, em João Pessoa, retorna em sua empreitada, obstinado que estava:
“Pouco tempo depois, indo eu, eventualmente, ao palácio do governo deparei-me ali com o professor José de Melo, e Dr. José Mariz, que estavam dando os último retoques no novo quadro administrativo referente aos municípios, povoações ou distritos do Estado, na conformidade de decreto recentemente baixado pelo governo federal, que autorizava modificação justificável e de âmbito racional, na toponímia dessas entidades, por decreto dos respectivos governos estaduais".
"Eu então lhes disse em forma de cavaco, em tom amistoso...É isto mesmo, vocês estão corrigindo os nomes errados vários de municípios. Só não corrigem o de Misericórdia. Nome agourento, e interjeição de dor...”
O nome Misericórdia, talvez soasse mal aos ouvidos de Pitanga, não por ser algo agourento ou interjeição de dor, mas, de acordo com a tradição local, por ser muitas vezes motivo de chacota de outras localidades – como poderia se chamar Misericórdia um lugar com a fama de cidade violenta. E realmente, em períodos passados, era muito comum a luta entre as oligarquias locais, refregas familiares que presenciaram muito derramamento de sangue. O próprio Praxedes Pitanga vivenciou isto em sua história pessoal quando criança, com os episódios entre seu avô materno, João Severino da Silva e o deputado Antônio Tomaz de Aquino.
No Brasil, na década de 1930 a 40, como nos fala Pitanga, ocorreram várias mudanças de nomenclatura de municípios, no Nordeste houve uma febre de nomes tupi-guarani nas localidades e Pitanga propôs para Misericórdia o nome de Itaporanga, como ele nos fala:
“Eu então lembrei – Itaporanga para substituir Misericórdia. E justificando a mudança adiantei: existe bem próximo à cidade um majestoso serrote. Em tupi-guarani, Itaporanga significa Pedra Bonita. Como se vê em tal caso, que aquele símbolo pétreo plantado pela natureza bem se prestaria para dar nome à cidade; e por extencividade, ao município”.
Se antes o nome Misericórdia não era considerado histórico por Pitanga, “por ser dado a santa do dia”, como dissera antes, agora lhe dava a pedra do dia, caracterizando-se mais pelo aspecto geográfico do que o histórico. Na verdade era uma questão pessoal do próprio Pitanga a mudança de nome. Seu poder de influência, não só a nível local, em Misericórdia, mas a nível estadual é bem descrito num momento em que ele descobre que o nome de Itaporanga já existia em uma localidade paraibana:
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Município de Alcantil, antes Itaporanga |
“Nessa altura, observou o professor José de Melo: Itaporanga já está posto num povoado de Cabaceiras, quase montado num penhasco. Sugira, pois, um nome para substituir o de Itaporanga já colocado no dito povoado. Eu então, num jacto, disse: Alcantil. Pronto! Todos gostaram da substituição, que veio libertar o nome de Itaporanga, para a mudança de Misericórdia”.
Não podemos dizer que esta última afirmação seja fidedigna de verdade. Será que todos realmente gostaram? Será que o pessoal do povoado próximo a Cabaceiras não reagiu? E por último, será que foi tal simples assim o processo de convencimento pela mudança de nome, como nos narra Pitanga? A verdade é que realmente, ainda nos dias atuais existe esta localidade próxima a Cabaceiras com o nome de Alcantil. O nome Itaporanga não pegaria num primeiro instante, como a maioria dos nomes impostos. Principalmente a facção oposta a Pitanga, liderada pelo seu primo, o médico e ex-aliado José Gomes da Silva, que era o prefeito de Misericórdia naquele período. Pitanga utilizou então de sua astúcia política, como nos narra:
“Procurando eu eliminar essa recusa que ele determinara aos seus amigos, usei de vários meios de propaganda, visando o novo nome vir a agradar todo o povo; e assim ‘pegasse’ o mais depressa possível. Mandei escreve-lo em todas as pedras marginais aos caminhos públicos; fazia reuniões com a garotada, com um saquinho de bombons às mãos, e perguntava; qual é a palavra do dia? Aquele menino que dissesse primeiro, - Itaporanga – ganharia os bombons.”.
Percebe-se aqui uma característica muito forte nas atitudes coronelísticas após 1930, era o uso de artimanhas e barganhas, quase sempre clientelísticas a fim de favorecer interesses próprios ou da localidade. O poder de influência de Pitanga junto aos seus comandados é muito bem explicado por ele em um fato que já faz parte, não só da tradição, como do folclore local:
“Convoquei os correligionários mais influentes, e lhes comuniquei: nossos adversários estão espalhando que os meus próprios amigos não estão querendo o novo nome. Portanto, quando se referirem à cidade, ou ao município, não digam Misericórdia.
Entre os correligionários convocados, figurava um muito ignorante; porém, muito mais que isto, lealdoso e obediente. Certa vez foi ele confessar-se, o padre iniciando a confissão mandou que rezasse a “Salve Rainha”, e começou confidente “salve rainha, mãe de Itaporanga”. O confessor surpreendido, reclamou: que heresia é esta meu filho! Diga salve rainha, mãe de Misericórdia. O confidente se explicou: Sr. Vigário, eu só digo Itaporanga; Dr. Pitanga não quer que se diga Misericórdia...(sic)”.
O nome de Misericórdia viria a ser substituído em 1938, pelo decreto-lei estadual nº. 1.164, de 15 de novembro, é quando pela primeira vez, em documento oficial se lê Itaporanga, ao invés de Misericórdia. Porém, cinco anos depois, em 1943, por conta de outro decreto-lei de nº. 520, voltaria a chamar-se Misericórdia, frustrando todas as estratégias de Pitanga para que o nome pegasse, favorecendo o grupo rival de José Gomes, contrário a mudança. Mas, quem levaria a melhor nesta queda de braço, pela comprovação de poder local seria Praxedes Pitanga. Em 7 de janeiro de 1948, por outro decreto estadual o de nº. 318 Misericórdia voltou definitivamente a chamar-se Itaporanga. Nome que permanece até os dias atuais. Após quase 11 anos, quando o município havia mudado de nome três vezes.
Sobre a última e definitiva mudança vozes se levantaram contrárias até a nível estadual, entre as quais a de Apolônio Nóbrega do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, que dizia na época:
“Misericórdia, velha e brilhante cidade do alto sertão, rica nas tradições de bravura e de civismo paraibano, fundada em 1865, voltou a ter a infeliz denominação de Itaporanga(...) É preciso convir que estas denominações indígenas são muito bonitas e oportunas para os ilustres componentes do Instituto Histórico do Rio de Janeiro(...) Amigo de nomes tradicionais, nunca pude aplaudir o IBGE, no sacrifício operado em 1944 na nomenclatura municipal do país(...) Por este motivo o Zé povinho paraibano vive implorando ‘Misericórdia’ para Itaporanga....”
E foi assim que esta cidade significativa e apaixonante do sertão paraibano, que agora recebe este periódico passou a chamar-se Itaporanga.
Lourival Inácio