terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Personalidades que construíram Itaporanga – Crispim Pessoa


Foi no número 65 da Rua Francisco Bidô (antiga Quintino Bocaiúva) que um homem apaixonado pela radiofonia conseguiu concretizar, em ondas eletromagnéticas, um desejo, e alcançar além da casa simples que abrigava, além da rua estreita que o referenciava, além dos limites da outrora Misericórdia, mãe adotiva de um sonhador, um pioneiro, Crispim Ribeiro, cuja voz, grave e bem posta, ainda trepida na memória de muitos misericordianos e itaporanguenses. 

“A hora em cima da pinta. Esse foi o chavão que popularizou em sua comunicação”, lembra o colecionador musical Inácio Farias, que começou a ouvir Crispim ainda na infância e tomou gosto pelos grandes sucessos populares ouvindo a rádio montada por Pessoa em Itaporanga no começo da década de 50. 

O locutor, de passos e trajes sempre elegantes, vaidoso e boêmio, nascido nas véspera do São João de 1912 em João Pessoa, chegou em Itaporanga em 1946 para trabalhar na campanha eleitoral de Balduíno Minervino de Carvalho, então candidato à Assembléia Legislativa e partidário de Zé Américo, que na ocasião disputava o governo estadual. E Crispim, que veio para votar, nunca mais deixou a terra adotiva, e aqui casou e do casamento gerou três descendentes. 

Quando chegou em Itaporanga, Crispim já tinha a experiência em rádios de vários municípios do estado, e recebeu propostas para deixar a cidade, mas permaneceu na terra e construiu aqui sua emissora. A Rádio Cruzeiro do Sul, tomou o município itaporanguense um dos pioneiros da radiodifusão no interior nordestino. Na década de 50, quando pouquíssimas cidades sertanejas tinham emissoras de rádio, Itaporanga já falava para quase todo o sertão paraibano através do transmissor que Crispim construiu e montou em um dos quartos de sua própria casa. 

E a rádio fez sucesso e sua principal estrela foi o seu próprio idealizador e construtor. Crispim apresentava os principais programas da emissora, entre os quais o Cartão Sonoro, que ia para o ar aos domingos e tinha hora para começar, mas o encerramento dependia do número de pedidos musicais. Por um cruzeiro, o ouvinte era atendido com uma música de sua preferência e poderia oferecê-la aos seus familiares e amigos através de um bilhetinho, único meio possível de interação entre o ouvinte e comunicador naquela época. A rádio de Crispim Pessoa não tinha autorização governamental para funcionar, mas tinha o total apoio popular. A emissora que era na casa de Crispim passou a ser ponto de visitação constante. Todos os dias e, principalmente, nos sábados, dia da feira livre, dezenas de pessoas, especialmente da zona rural, passaram pela sede da rádio: queriam conhecer Crispim e deixar-lhe bilhetes e presentes. 

Dona Bidú, como era carinhosamente chamada Brígida Leite Pessoa, viúva do radialista, ainda lembra a maneira carinhosa com que o público tratava seu marido. “Eles traziam galinhas, jerimum e tanta coisa da roça que a casa ficava cheia”, recorda ela, que atualmente vive em João Pessoa, mas constantemente vem a Itaporanga, ao revelar que Crispim “era um homem apaixonado pelo rádio, e sua grande frustração foi não ter conseguido o registro de sua emissora, apesar de ter lutado durante décadas por isso”. 


Os visitantes não eram apenas anônimos. Muitas pessoas famosas, a exemplo de Frei Damião e Luiz Gonzaga, amigos pessoais de Crispim, passaram pela casa do radialista e pelos microfones da Cruzeiro do Sul. As celebrações de Frei Damião e os louvores solenes da Igreja eram transmitidos pela emissora e alcançavam um grande público. 

A rádio não garantia apenas entretenimento às pessoas por meio da música e da comunicação, ela também prestava serviço através dos anúncios publicitários, das notas de utilidade pública, avisos e comunicados oficiais. Nas campanhas eleitorais, principalmente para a Prefeitura, Crispim, mesmo tendo, obviamente, suas preferências político­partidárias, dava espaço em sua rádio para os candidatos de todos os partidos. Na sucessão municipal de 1968, por exemplo, quando Derli Balduíno e Adailton Téodulo disputaram a prefeitura, os dois candidatos e seus locutores: na campanha vitoriosa de Adailton atuava Ivanildo Sousa; e defendendo Derli trabalhava seu sobrinho, Júlio Minervino, puderam levar a grande parte dos lares itaporanguenses sua publicidade eleitoral. No ar, os candidatos lançavam suas propostas e faziam sua propaganda, contribuindo para uma melhor avaliação popular dos nomes concorrentes. Com esse trabalho imparcial, Crispim não apenas colaborou para a politização de seus contemporâneos, mas também tomou-se um pioneiro ao introduzir no rádio a propaganda eleitoral, antecipando o que seria o futuro das campanhas pelo voto popular. 

O grande sonho de Crispim, porém, não se realizou. Sem recursos financeiros, sem o apoio dos políticos e ignorados pelos ricos da época, a luta de Crispim Pessoa pela concessão do registro de sua rádio não frutificou. Crispim conseguiu junto ao Ministério das Comunicações a abertura do canal e do edital, e chegou a ganhar a concessão, mas não tinha o dinheiro exigido pelo governo para que ela fosse liberada. “Ele ficou muito ressentido e magoado por ter perdido a concessão por falta de dinheiro. Ele tentou encontrar dez pessoas que pudessem dividir o valor da concessão, mas não teve o apoio das pessoas que, na época, poderiam ajudá-lo”, diz Agápio Sertão, um dos grandes amigos que Crispim teve em Itaporanga. A concessão da Rádio Educadora, pela qual Crispim lutou tanto, mudou de rota e foi para a cidade de Conceição levada pelo então deputado federal Wilson Braga. Depois que perdeu a concessão, Crispim ficou desestimulado. Somada a isso, a angústia pelas constantes perseguições do Dentel (hoje Anatel) o levou a fechar definitivamente sua rádio e transformá-la em um serviço de alto-falantes. 

Se ainda tivesse vivo, Crispim iria completado 97 no próximo dia 23 de junho. Quando faleceu, em maio de 1991, estava com 79 anos. Sua morte repercutiu em toda a região e até na Assembléia Legislativa do Estado, que lhe rendeu homenagens. Quando em vida, Crispim foi homenageado por conta do relevante serviço prestado ao município, fato que levou a Câmara Municipal de Itaporanga lhe conceder o título de cidadão itaporanguense, como também dando o seu nome a uma rua da cidade, uma década depois do seu falecimento.

Revista "Itaporanga, 144 anos de história"

1 comentários:

Meu amado pai, foi um pai exemplar, um homem íntegro.Saudades.

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