sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CAPÍTULO III - Biu de Dedé

A Seca de 1958


m 1958 houve uma grande seca no Nordeste. 
O sertão ficou esturricado e antes que atingisse o gado, Biu, que já tinha uma boa quantidade de reses, vendeu-a juntamente com outra grande quantidade de milho e de arroz armazenados, pegando um bom preço e uma quantidade bem razoável de dinheiro. 
O governo federal procurava ajudar o sertanejo, na época da estiagem, abrindo frentes de trabalho no sentido de melhorar as condições das estradas do sertão. 
Existiam muitas frentes de trabalho em todos os estados nordestinos a cargo do Departamento Nacional de Obras contra a Seca, com a sigla de DNOCS. 
Eram turmas compostas de pais de famílias e todo e qualquer filho (masculino, óbvio) que tivesse condições de trabalho, mesmo com pouca idade. Não existiam leis que coibissem isto. E quanto mais filhos houvessem maior seria o rendimento financeiro. Estes homens eram chamados de cassacos e os responsáveis pelas turmas eram denominados feitores, que fiscalizavam o trabalho e a presença dos trabalhadores. 
Como o pagamento era mensal e as despesas diárias, havia um grupo intermediário que comprava as folhas de pagamento fazendo o pagamento adiantado aos cassacos e recebendo o numerário das folhas no final do mês. Havia, pois, uma despesa para isto, que o intermediário já comprava descontando esta taxa. 
Com o dinheiro da venda do gado e do arroz e milho armazenados, entrou para o negócio das folhas do DNOCS e, após um ano, saiu com uma quantidade aumentada no seu capital, sendo possível comprar a propriedade Malhada Grande pertencente a Severino Clementino. 
Não deixou de ser rendeiro de Sinhozinho Farias que costumava comentar em Itaporanga que os filhos de Dedé eram homens de palavra porque, quando ele não ia pegar a renda, eles vinham deixar em sua casa assim como pagavam a sua parte na partilha do algodão de forma séria e honesta. Estes comentários eram feitos na central de conversas e comentários da cidade que eram as barbearias, principalmente, a barbearia de Biu Barbeiro. 
Acrescentava, ainda, que se um dia fosse vender aquelas terras venderia a Biu de Dedé que retrucava: 
- Imagina, Seu Sinhozinho, eu não tenho este dinheiro! 
E Sinhozinho incentivava: 
- Tudo vai dar certo, Biu, você é um homem bom. Você é sério, simples e honesto. Tudo vai dar certo. 
Foram palavras quase proféticas porque com a compra da Malhada Grande passou a produzir mais algodão, juntou, pacientemente, mais dinheiro e comprou uma casa na Rua Horácio Gomes, que até hoje lhe pertence, comprou um prédio na Avenida Getúlio Vargas e entrou no comércio de gado em parceria com um amigo de Brasília. 
Comprava garrotes, engordava-os e os revendia por um preço justo ou amansava-os e os colocava para puxar carroças revendendo água, que era escassa, para a cidade. 
Era muita coisa para administrar já que jamais deixou a sanfona de lado. Tocava à noite e dormia até o meio-dia e trabalhava nas terras à tarde. Colocou um rapaz sério para fazer o apontamento das carroças de água, facilitando muito o seu trabalho. 
Um dia, estava na parede do açude das terras de Sinhozinho, juntamente com Assis de Antônio de Zeba e lhe confidenciou, com o olhar sonhador perdido na vastidão da propriedade: 
- Ainda vou ser o dono de tudo isto. 
A confiança é imprescindível em qualquer empreitada e isto era o que sobrava no nosso querido sonhador.
Confiança significa dizer pé no chão. Figuradamente, sentir o solo firme sem afundamentos nem escorregões. 
A confiança se estriba numa excelente e prévia programação daquilo que se pretende construir para que a edificação seja sólida, segura, inspire certeza de êxito em quem for participar. 
Jamais uma empresa irá adiante se começar de forma improvisada e se ir ajustando de acordo com a necessidade. 
A programação é importante porque no papel não existem prejuízos; pode-se rabiscar, apagar, substituir, otimizar quaisquer planos, quebrando as possíveis arestas que aparecerão. Depois da obra pronta não há como consertar adequadamente aquilo que não ficou bom porque todo conserto é um ato posterior ao planificado, portanto, fora das cogitações primeiras de como seria o funcionamento. 
Improviso é sempre improviso, não há a certeza do acerto. 
O que Biu sonhava era a certeza do futuro. Era um sonho bem sonhado, bem desejado, porque há uma recompensa para aqueles que agem bem, que trabalham com honestidade e, após oito anos como rendeiro, comprou a tão sonhada terra pelo valor de 270 vacas paridas. 
Encontrou, recentemente, com Assis Firmino (de Antônio de Zeba) que relembrou este fato com certo orgulho e alegria para ambos. 

Ano de 1959, ano eleitoral. Convidaram Biu para se candidatar a vereador; relutantemente aceitou apesar dos comentários desrespeitosos de alguns candidatos que diziam: 
“É só um sanfoneirozinho querendo ser vereador; não tem chance!” 
Continuou firme na campanha que seria duríssima porque, naquele tempo, São José dos Caianas, Serra Grande, São Boaventura, Diamante, Pedra do Fumo e Curral Velho ainda pertenciam a Itaporanga e havia um colegiado eleitoral mais complicado. Era preciso ser conhecido em toda esta redondeza para angariar votos. Havia gente famosa também candidata à eleição e à reeleição com um eleitorado fixo. 
Isto não atemorizou Biu porque sabia de suas qualidades admiradas pela sociedade. Continuou firme em seu propósito de servir à sua terra de uma maneira diferente; desta vez na área política. 
Dia 3 de outubro. A movimentação política pegava fogo; a ansiedade era palpável. As discussões frequentes, as apostas rolando, os caminhões abarrotados de eleitores que eram pegos nos sítios para exercerem o seu direito de cidadania. 
Dr. Francisco Clementino de Carvalho é eleito prefeito de Itaporanga para o quadriênio de 1960/1964 e o nosso “sanfoneirozinho que queria ser vereador” foi eleito com uma expressiva votação, sendo o primeiro colocado dentre todos os vereadores eleitos. Isto calou a boca de muita gente que pensava ser o dinheiro o comprador de todas as coisas. Esqueceram que honestidade, hombridade, simplicidade e modéstia são ainda uma moeda muito forte numa comunidade que sonha dias melhores. 
Diz ele: 
- Fizeram até uma musiquinha que dizia: “Biu foi eleito em primeiro lugar...” 
Tomou posse, de acordo com a cabeça privilegiada de João Dehon Fonseca, no início de 1960, juntamente com os seguintes vereadores: José Figueiredo da Silva (presidente), Getúlio Henrique (secretário, eleito por São Boaventura), João Inácio de Araújo Neves, Antônio Firmino de Souza (Antônio de Chiu é eleito por Serra Grande), Severino Pereira ele Souza, Severino Soares de Araújo (Biu de Dedé), Flavio Cavalcante de Arruda (eleito por São Boaventura), Anatalicio Lopes da Silva (Natalício Regina; eleito por São José de Caiana) e Sinval Pinto Brandão. 
Exerceu o mandato com probidade, contudo, decepcionou-se com os meandros da politicagem e se prometeu que, finda a sua edilidade, jamais voltaria. 
Cumpriu a sua promessa sem arrependimento, mesmo com todos os pedidos dos amigos para que tentasse uma reeleição. 
Em suas palavras “na politica não existe amizade cem por cento e eu só queria ser amigo de todo mundo; na política isto é impossível.”

Do livro Biu de Dedé

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