quinta-feira, 5 de março de 2015

Proezas de Zé Ninguém

hoje vou falar relembrar uma figura histórico dos becos de Misericórdia nos tempos idos de 1950, vou falar nada mais nada menos de Zé Ninguém, desse sertanejo que trazia no seu registro civil o nome de José Coringa, filho de Marçal Coringa e de Severina Coringa, nossa conhecida Biú de Marçal Coringa, vou tentar relembrar as travessuras desse “moleque danado” que de repente desapareceu de Itaporanga e ninguém nunca mais soube se quer notícias.O chamado Zé Ninguém, foi assim apelidado quando estudava no Grupo Escolar Simeão Leal e ele mesmo se dizia a Terceira Pessoa depois de ninguém. Dessa forma os colegas começaram a chama-lo de Zé Ninguém e ele começou a assim atender.

O José Coringa, como todo e qualquer José Ninguém (de acordo com os dicionários), significa exatamente “gente da gente”, gente como você e eu, isto é, se você se considera gente simples – do tipo sem milongas, sem obstáculos, desenrolado e sem dinheiro. 

José Ninguém foi uma das figuras mais folclórica da história de Itaporanga ou Misericórdia como queiram, se quisessem poderiam até escrever um livro. O negro era travesso e simpático além de querido por toda sua geração.

Em 1958 o ano foi ruim de inverno e Zé Ninguém na tentativa de ajudar o pai, Marçal Coringa que se encontrava muito doente, foi até Eládio Clementino e conseguiu um emprego na emergência, que fazia a estrada de Itaporanga a São José de Caiana e servia de paliativo aos sertanejo que fugiam da seca.

Como todo cassaco, como é chamado o homem que trabalha na emergência, Zé Ninguém foi alistado com o número de 17 e ele que era um adolescente inteligente sentiu que aquele número havia colocado por que ele era preto e 17 era o número do macaco.

Revoltado, Zé Ninguém começou a fazer peripécias no acampamento onde sua turma formada por: Nem Morato, Eládio Cochete, Amauri de Antonio Sotero, Zé Cafezinho, Zé Pibite, Antônio Boquinha, Ageu, Mazola, Lindomar de Joça, Zé Brasilino, etc. o tinha como uma figura inteligente e que por isso indicaram ao FEITOR ou Chefe de Turma que era analfabeto para que o mesmo fizesse o apontamento.

O Feitor tinha que entregar toda semana um relatório ao Chefe do Escritório e era esse relatório quem dizia se o operário trabalhara ou não e só assim recebia o salário semanal.

Nessa mesma turma o feitor,Seu Augusto, tinha três filhos: Antônio; José e Severino, além de dois cunhados: Pedro e Joaquim, vamos assim chama-los para não ferir ninguém.

No dia de fazer o primeiro relatório, o Sr. Augusto chamou Zé Ninguém e disse: “ Vamo muleque, fazer nosso apontamento qué preu levar prú Seu Oládio Climitino.” E lá se foi Zé Ninguém com sua caligrafia bonita escrever o relatório.

“Bota aí neguim: o premeiro da lista é o numro 17, é tu. Bota aí que essa semana tu num fez nada a num sê aperriar os outos. E Zé Ninguém colocou o nome do primeiro filho de seu Augusto. Pronto Seu Augusto, que mais? “Bota aí muleque, bota aí o numo 24 Oladio Cochete, diz aí que ele passou a semana se iscorando in meu filho José e que o bichim trabalhou tanto qui ta duente.” E Zé Ninguém escreveu o contrário. Pronto seu Augusto, que mais? “Bota aí qui Nem Morato num faz nada a num ser passar a semana pintiando o cabelo e passando brilantina gostora.” Zé escreveu que esse papel era do filho mais novo do Seu Augusto. Pronto seu Augusto vá dizendo. “Oi muleque tu iscreve isso dereito se não eu faço tua caveira cum seu Oládio.” Tá certo Seu Augusto, que mais escrevo. “Iscreve aí que Tonho Boquinho passa a semana raparigando” Zé Ninguém escreveu que o cunhado de Seu Augusto passava a semana raparigando. Que mais? Num si isqueci do nego Ageu e de Mazola qui passaro a semana batendo violão e bebeno cachaça e fazeno prose.” Zé Ninguém escreveu que o segundo cunhado e o próprio Seu Augusto passaram a semana fazendo aquilo.

Com um relatório supostamente bem feito em mãos, Seu Augusto deslocou até a cidade e entregou a Eládio Clementino que por sua vez passou para o Chefe Geral da emergência o Sr. Albérico. Esse ao ler o relatório mandou que fosse demitido toda aquela gente que só bagunçava no trecho e quando Seu Augusto soube da realidade, foi até Zé Ninguém e disse: “Muleque capeta, proque tu fez isso cumigo e cun meus fios.” E Zé Ninguém respondeu:”aprendi a ler e escrever com Dona Duzinha Moura e ela me ensinou pra valer. Vocês me ficharam aqui no trecho com o número 17, porque sou preto e vocês queriam me comparar ao macaco, pois bem o bicho que mais parece gente é macaco, porém o burro não tem nada de gente, então o senhor e seus filhos, são burros.

Essa historia narra aventuras de um pobre miserável que faz da esperteza, da sagacidade, da desconfiança do formal excessivo, o meio de vida ou o melhor jeitinho brasileiro que lhe garante a sobrevida. Sua sobrevivência se dá tripudiando o autoritarismo, o servilismo, o coronelismo, todos os “ismos” da opressão.

Mas na realidade quem foi Zé Ninguém? Zé Ninguém não era bonito, nem feio; era sim negro; mais pobre do que remediado; não era homem alto, mas também não era baixo. Zé Ninguém era um homem de estatura mediana, mas de uma grande alma. Zé Ninguém era simplesmente gente que gostava da vida e o que de bom a vida restou, nunca Zé Ninguém esteve do lado do mau.

Zé Ninguém foi um itaporanguense,
Que no dia certo nasceu,
Pobre como sertanejo forte,
Em Itaporanga viveu,
Desapareceu faz muito tempo,
Pro lado de Goiás se estabeleceu,
Da saudade lembrar do negro peralta,
Dentes brancos, olhar forte e agudo,
Mas é bom viver os becos de Misericórdia,
José Coringa, boca grande e beiçudo,
Que saudade você sente também,
Ao reviver essa historia de agora,
Relembrando o nosso Zé Ninguém.

Essa prosa a respeito de Zé Ninguém, que contei agora, tenta combater a ideia da fraternidade ou da solidariedade vazia. Temos que ser irmãos uns dos outros, filhos legítimos da mesma mãe, Itaporanga que um dia foi Misericórdia, de vez em quando um de nós contar para nossa juventude a saga dos nossos anos idos, do tempo do motor de Lô, do Padre Firmino, das broas de Ercília. E Jesus Fonseca faz isso muito bem, Maria da Paz não ficA atrás, Bebé de Natercio conhece também um pouco dessa história e Marcos Maia. Vamos gente, vamos acordar e colocar esse Mural de Rainério no devido lugar. Além de Zé Ninguém existem outros personagens que são nossos e que fizeram histórias.

As Proezas de Zé Ninguém, são as proezas de Evandro Negreiros, são as proezas de Antônio Fonseca e de Nilvando Gabriel e porque não lembrar de toda essa gente e reviver os becos de Misericórdia. Simplesmente eu hoje amanheci com saudades. 

Se estou contando essa história, é porque gosto de minha terra e do meu povo, essa gente da terra, das caatingas, da canoa de Edmundo que atravessa o Rio Piancó nas grandes cheias, missão essa que também pertenceu a Lourival. Há muito que procuro entender melhor essa tão rica e bela cultura diferenciada do povo de Itaporanga e da própria Itaporanga, que Edmilson Fonseca conhece tão bem.

Hoje também como sou um admirador dos cordelistas que nos ensinam tão alegremente o real significado de tudo há na vida sem eira, nem beira. Fico pensando como seria um verso de “Cordel” escrito por Bebé de Natércio ou seu irmão Marcos Maia, com o título: “ Os becos de Itaporanga”.

Enfim, essa história de Zé Ninguém é um resgate da nossa história e dos nossos personagens. Esse Zé Ninguém que sintetiza a inteligência, a criatividade, a imaginação, o conhecimento natural do mundo que o nosso povo tem. É como ter na memória, sentir a intensidade da cultura, ter sempre perto a beleza do bronzeado natural da cor jambo, as cores, o cheiro, o sabor das coisas comuns e simples da vida que se leva na nossa Itaporanga. O sol causticante, o sonho é doce e não há outro calor que nos traga maior conforto.

Escrito no Mural em 30-10-2007

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