sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Capítulo VIII - Biu de Dedé


Saudades – Sonhos – Costumes 

Se me perguntarem com quem eu gostaria de tocar, sem sombra de dúvidas, diria que seria com as minhas sobrinhas (Lucyane ­ Laryssa - Lizete), componentes do Clã Brasil. Com certeza, ficaria muito emocionado nos 20 primeiros minutos, depois me acostumaria e as acompanharia com muita facilidade. 

Tenho muita saudade dos meus filhos e mais saudade, ainda, dos netos que moram na capital. 
Como bom sertanejo, gosto muito de arroz com feijão, acompanhados de uma suculenta manga; esta era a nossa alimentação na roça. 
Não sei cozinhar; quando Josa viaja para ver os netos em João Pessoa, sofro muito. Sou cozinheiro nota zero. Nem Nescafé sei fazer. 
Sou flamenguista (fanático) e, se tivesse muito dinheiro, ajudaria a contratar jogadores para levantar a moral do time. 
Meu maior sonho (em parte já realizado) é continuar vendo a minha família sempre em harmonia e ajustada porque esta união é que incentiva a nossa busca para uma vida longa para servir de referencial para o mundo. 

Acho que cheguei à casa dos oitenta anos com todo este vigor e esta forma física por causa desta união que ampara a nossa alma. 
Amar e saber que é amado. Vale a pena! 

Todos nós temos aquelas pessoas que nos servem de exemplos e a quem admiramos por sua conduta certa dentro de uma sociedade. 

Cito como exemplo um rapaz que veio trabalhar comigo, já tendo uma idade um tanto avançada para estudar. 
Era arrimo de família, portanto, com maior dificuldade para pensar em estudos. O pai havia morrido muito novo, com 30 anos de idade e ele veio trabalhar comigo no auge em que a agricultura mais precisava de mão-de-obra para o cultivo do algodão. 
Era um trabalho muito duro, no entanto, ele dava conta com muita responsabilidade e esforço. Um dia ele me falou: 
- Biu, quero trabalhar e estudar. 
Admirado, olhei para ele e aprovei falando: 
- Está bem! Faça a sua matrícula, trabalhe durante o dia e assista aula à noite. 
Ele sustentava uma família de quatro irmãos e, muitas vezes, perdia a primeira aula porque o trabalho na enxada é muito duro e pesado. 
Eu trabalhava no meio do algodoal com um boi puxando a terra, mas, no pé do algodoeiro teria que ser com enxada. Não havia outra opção. 
Ele e o irmão eram muito bons de serviço e ele era o meu primeiro trabalhador. 
A agricultura é abençoada por Deus, todavia, é difícil viver exclusivamente dela. No final do ano, o que tinha sobrado e amealhado para ele? Nada! 
Como havia passado de ano, o grau de estudos aumentou e teria de assistir aulas, também, à tarde. Teria, apenas, o turno manhã para trabalhar. Tomou uma decisão drástica. 
- Biu, vou ter que parar de estudar porque só terei metade do dia para trabalhar e isto não vai dar para sustentar a minha família. 
Então, eu decidi: 
- Você vai trabalhar meio-dia e estudar à tarde. Preocupado retrucou: 
- E como irei lhe pagar no final do ano? Falei para ele que Deus é bom e iria dar um jeito nisto tudo... Ele acatou a minha ideia e passou a me respeitar como se eu fosse o seu pai. Continuou trabalhando e estudando até que surgiu uma oportunidade de entrar no comércio e eu lhe dei uma mão. Dei crédito. 
Trabalhava e estudava durante a semana e no sábado lidava com o seu comércio. . 
Foi indo, caminhou pelos caminhos amargos da vida, mas, venceu. 
Bacharelou-se em Direito e hoje é um dos advogados renomados do Vale do Piancó. Eu tenho a mesma alegria de um pai com esta grande vitória. Foi vereador por três mandatos seguidos e chama­se Dr. José Valeriano. Morou comigo durante 14 anos e só deixou de morar quando, realmente, não precisava mais. 
Hoje, quando ele me encontra, diz, em tom de brincadeira: 
- Biu, eu estou muito gordo, mas, se você me escalar num sábado ou num feriado, ainda cavo uns buracos para você. (risos). 
Portanto, esta é uma história que muito me marcou, é uma estória muito bonita que serve de exemplo para aqueles acomodados que dizem não poder estudar . 

Um fato engraçado que me ocorreu e de como me safei dele sem grandes vexames. 

Sempre tive facilidade de convencer, principalmente com as mulheres e gostava mais de namorar do que de tocar. 
Um dia, na festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição, dia 8 de dezembro, estava na procissão pelas ruas da cidade com um amigo e avistei uma moça bonita acompanhando o andor da santa. 
Na época, o que mais rolava era o flerte, a troca de olhar até o cara ser encorajado a se aproximar. 
A moça simpatizou com o amigo que estava ao meu lado e sorriu para ele. 
Eu, paquerador incorrigível, já pensei que era para mim aquele sorriso arrebatador e comecei a maquinar como se livrar do amigo e, depois da procissão, partir para o ataque. 
Chegando à igreja, o padre deu a bênção final e deu por encerrado o ofício religioso daquele dia. Como eu sabia onde ela morava, desconversei do amigo e me dirigi para a casa dela para investir em mais um namoro que seria enrolação. 
Na minha teoria, como era meio feioso, tinha que aproveitar a oportunidade surgida. (risos). Em chegando lá, ela já foi perguntando: 
- O seu amigo não veio? 
Caí na real. O sorriso não era para mim e mais que depressa respondi: 
- Eu só vim dizer que ele não pode vir e que virá em outra oportunidade. 
Dei meia volta e sumi. 

O lugar onde mais toquei foi em São Francisco de Aguiar. 

Lembro-me que fomos tocar em um lugar que era um salão grande, talvez um depósito de cereais e era um galpão enorme com uma porta somente. Os tocadores ficavam lá nos fundos para sobrar mais espaço para se dançar. Apareceu um cara embriagado, de má índole que ninguém conhecia e puxou uma peixeira causando um acidente em si próprio cortando um dos dedos e' veio, sangrando, em nossa direção. 
As pessoas corriam querendo sair pela única porta provocando alarido, gritos e quedas e o cara se aproximando. 
Chegou perto de mim e começou a passar a ponta da faca no teclado da sanfona, sujando-a de sangue e dizendo: 
-Está com medo, Biu? 
Eu respondia: 
- Não, cara, você é meu amigo! 
Neste momento, chegou alguém, aberturou o cara, dominou-o e tomou a peixeira. Derrubou-o no chão (ele era um tanto franzino) e o amarrou. Depois que os ânimos serenaram, perguntaram para o arruaceiro: 
- Prefere dançar ou ficar a festa inteira amarrado olhando os outros dançarem? 
A estas alturas, o cara já tinha ficado bom da bebedeira porque medo é um santo remédio para curar uma fogueira e respondeu depressa e mansamente: 
- Quero dançar! 
Então pague a cota e não se meta mais a besta, entendeu? Cabra brabo aqui vai para peia! 
É claro que o cara entendeu porque dançou a noite inteira e não deu mais nem um pio . 

Naquele tempo, não havia ensaio das bandas; era só chegar e tocar. Havia sempre alguém que dizia: 

- Seu Biu, me deixa tocar um pandeirinho! 
Vando deixava (acho que até de propósito para me gozar) porque era eu quem pagaria o pato acompanhando um cara completamente sem ritmo e cantando desafinado. 
Houve até uma festa em que vieram dois pedindo para cantar e um cantava uma música e outro cantava outra música. Era um calvário. Eu me senti Jesus na cruz no meio daqueles dois. Hoje só aceito alguém cantar se for da família porque família é família e fica mais fácil de tomar o microfone . 

No caminho para o Cantinho havia um pé de cajá que diziam ser assombrado. 

Eu era tão viciado em namorar que não media esforços e ia cedo para a rua namorar e sempre me esquecia de que teria que voltar sozinho, quase à meia noite e passar por aquela cajazeira. Passava com medo, arrepiado até as penas do anjo da guarda, mas, iria repetir o feito. Tempo bom. Não volta mais . 

Em toda a minha vida tive cuidado com a alimentação, sendo bastante regrado, sem extravagância. Apesar de trabalhar no pesado com o intuito de poder criar os meus irmãos e constituir a minha própria família, sempre fui muito feliz. 

Nunca houve nada de mais especial que me fizesse mais feliz do que estas duas metas. Tudo o que sonhei e quis, trabalhei intensamente e o consegui. A minha esposa, Joza, diz que só faço o que eu gosto e é verdade; não vou atrás de algo que não preciso e que não é o meu sonho. A felicidade é muito simples e fácil de ser encontrada. Com isto conquistei conceito e respeito. 
Nota do Autor - Fiquei emocionado porque Biu poderia ter citado um personagem como o papa, um grande político, mas, preferiu, contar esta linda estória de um lavrador humilde que venceu a dor e o desencanto e brilhou na vida. Minha emoção foi dupla porque Dr. Valeriano é meu parente e eu desconhecia esta façanha dele. 
- Parabéns, meu primo! 

Do livro Biu de Dedé

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