sábado, 14 de fevereiro de 2015

CAPÍTULO IV - Biu de Dedé

Namoros


Flamenguista convicto, Biu gostava de tocar sanfona, porém,   tinha um esporte que sobrepujava os outros: adorava namorar. Não era difícil realizá-lo porque sempre teve a aparência de um rapaz educado, de fino trato e era, sobretudo, um bom sedutor. Nos termos de hoje, diríamos que era um excelente xavequeiro. Sabia, como ninguém, conquistar aquela que estava em sua mira e que não eram poucas, pois, como foi dito, era este o seu hobbie, o esporte ou a melhor diversão que gostava de praticar. 
Caiu na rede, era peixe. Teoria antiga que lhe caía muito bem era esta: tem duas pernas e não é escada e usa saia e não é padre nem escocês, deixa comigo que é comigo mesmo. Eita, Seu Biu! 
Nunca foi tímido para negócios e namoros; poder-se-ia até dizer que era enxerido. 
Teve a primeira namorada aos 13 anos, uma garota muito bonita com quem namorou oito meses e segundo ele “tive muita sorte em namorá-la porque, para o homem nascido no Cantinho, o que não lhe faltava era amor para dar a quem lhe desse confiança.”
Foi noivo de: uma prima que morava em São José de Caiana e só não casou porque pagou o pato pelos outros: a família dela, apesar do grau de parentesco, achava que, como o seu pai era muito namorador e farrista, ele iria sair à sua imagem e semelhança e mandaram a moça para Campina. Grande apagando um noivado de três anos. 
A família da noiva levou ao pé da letra o dito popular de que “filho de peixe, peixinho é” e não quiseram arriscar. 
Não sei quem, realmente, perdeu: a família, a noiva ou o sanfoneiro, mas, sei que a Josa ganhou. 
Teve alguns compromissos sérios com algumas moças da sociedade itaporanguense, compromissos estes que não passaram de seis meses porque usava sempre o argumento de quem tinha uma família para cuidar e não queria prejudicar ninguém. 
Um dia, os seus olhos se abriram para enxergar uma moçoila de 16 aninhos que morava na mesma rua. Ela andava sempre com a irmã Ana que era cinco anos mais velha. 
Biu, matreiro como sempre, pensou em qual das duas iria investir. 
Ponderou que não era bonito, mas, tinha certo traquejo de conversa e em quem iria jogar este palavreado todo. Pensou bem e achou que a mais nova, mais ingênua, cairia com mais facilidade no caminhão de areia que iria despejar em seu ouvido. 
Fez, primeiramente, amizade com ela. 
Era uma técnica de ataque infalível porque o resto dependeria do xaveco e isto era a sua especialidade. 
Procurava agradar a mocinha com cigarros, lembrançinhas e muita conversa (depois que casou pediu para ela parar de fumar) até que chegou o momento crucial. Percebeu que se a pedisse em namoro tomaria um belo fora, então, usou de uma técnica para estes casos. Com voz mansa, olhos nos olhos dela, olhar pidão, coração na mão, falou; 
- Josa, vou lhe fazer uma declaração e um pedido: estou apaixonado por você; não quero saber o que você sente por mim, mas, namore comigo três meses apenas. Se, depois destes noventa dias você não me quiser mais, juro que saio definitivamente de sua vida e não mais lhe darei trabalho. 
Eu, escritor, não estava lá, porém, conhecendo bem o personagem, posso até ver a cena em que ele dizia estas palavras segurando as suas mãos, os olhos quase marejando lágrimas, sabendo que seria quase impossível ela dizer não. 
O sanfoneiro era bom de teatro; ator de mão cheia. 
E Josa caiu! 
Biu não perdeu tempo e encheu todos os espaços no coração da mocinha e antes dos noventa dias foi ela quem tomou a iniciativa e disse que aceitava namorar definitivamente. 
Coitada da Josa! 
Biu tomou conta do pedaço; sabia que ela estava apaixonada e aprontava, as suas peripécias. 
Uma delas sempre acontecia quando Josa entrava em férias e ia para o sítio de seus pais, no Caiana. Biu, para não ficar só durante as férias, mandava um bilhete acabando o namoro. 
Analisando bem a manobra, embora não muito certa, mas, era uma maneira de não praticar a traição. Já que o namoro estava terminado não haveria impedimento para ter os seus namoricos. 
Outra técnica sagaz do nosso sanfoneiro. 
Quando as férias acabavam ele reatava o namoro. Todavia, tudo cansa. Biu comprou alianças para o noivado; Josa já estava com um pé atrás e não confiava tanto no namorado e, para tanto, nem deu ciência ao pai desta intenção de Biu. Guardou as alianças e esperou a ida dele até o sítio para o pedido formal da mão dela. 
Biu não compareceu. Josa, não deixou por menos; foi á cidade e entregou as alianças para ele. 
O homem não acreditou, aliás, como era seguro na conversa que dizia, jamais acreditaria que ela fosse capaz disto; mas, Josa foi firme e disse que não queria mais namorar e voltou para o sítio para chorar, sozinha, a sua solidão. 
Biu, por sua vez, também ficou desnorteado porque alguém o colocou no devido lugar. Enrolão é enrolão, então fique só! Foi o que ele ouviu. 
Ficou o restante das férias maquinando como reconquistar o coração de sua bem amada. Não precisou de muitas manobras porque Josa estava apaixonada e, sobretudo, saudosa. Só Deus sabe quantos baldes de lágrimas os seus olhos derramaram. 
Acabadas as férias, o sanfoneiro se achegou e derramou aquela ladainha de arrependimento que sabia fazer e, desta vez, de forma bem sincera porque sentiu de perto o gosto amargo da separação. 
Josa, amorosa, quis de novo. 
O coração de Biu quase que sai pela boca porque ele sabia que a namorada era determinada e poderia não querer mais motivos de sofrimento. 
Se pudesse externar o que lhe vinha à cabeça daria para ver fogos de artifícios multicoloridos espocando pelos céus e aquela música de sinos que só os anjos sabem tocar. 
Foi o rastilho para ele fazer uma reflexão mais séria de como seria a sua vida dali por diante. 
Estava, certo dia, em cima de um lajedo vendo o seu gado pastar e aproveitou a brisa do campo, o farfalhar das árvores e aquele silêncio da Natureza para medir e analisar o amor que Josa sentia por ele. Era à hora de valorizar o sentimento dela e deixar de brincar com as coisas de seu coração. 
Tinha feito uma promessa para si que só casaria quando todos os irmãos já o tivessem feito e estivessem donos de seus lares; todos estavam casados. 
Era a hora de arrumar a vida e deixar, paulatinamente, a boemia romântica que o seu coração insistia em continuar. 
Balanceou que era esta à hora até porque quando investia sobre uma solteira já recebia uma sentença; 
- Biu, não dá mais. Já conheço as tuas artimanhas para balançar os corações. Procura outra. 
O nosso Don Juan percebeu que era chegada a hora, porém, algo andava conspirando contra ele porque foi noivar seriamente e já foi pedindo um adiamento para a data do casamento. O pai da noiva, Seu Antônio, foi taxativo, já que o currículum de Biu era negativo e pediu para a filha entregar as alianças. 
O coração do noivo gelou. Os sonhos ruíram; o sorriso permanente de seus lábios desapareceu, ficou branco, lívido de surpresa não acreditando no que estava acontecendo. 
Aonde a sua sorte foi parar? - perguntou-se. 
Será que o seu anjo-da-guarda entrou de férias ou perdeu o plano. 
Então? Onde foram parar os santos para quem tanto rezava pedindo proteção? 
Caiu em si e percebeu que Romeus e Julietas existem de verdade. 
Que a dor da perda é maior do que supunha e que já fez alguém passar por este mesmo caminho. 
Começou tudo novamente. 
Passou a namorar Josa escondido do conhecimento do pai dela porque o amor era maior e teria que superar e reconquistar tudo e todos. 
Até o padre da cidade, José Sínfrônio, interveio, sem ser chamado, para opinar contra Biu. 
Josa conta este episódio com estas palavras: 
- Então um dia o Padre Zé mandou me chamar; ele era muito amigo do meu pai e eu estudava no ginásio. Fez uma reunião comigo na secretaria e disse: 
- Minha filha, o rapaz é bom, mas não sofra, não; ele não quer casar com ninguém, você é jovem bonita, vá estudar. 
Até o padre disse para eu não ficar com ele. 
Biu teve que mudar de tática porque com conselho de padre a coisa fica mais enrolada. A família da moça poderia até transferi-la para outra cidade; neste caso tudo estaria perdido. 
Adiantando-se contra tudo, ele, primeiramente, botou os banhos (proclamas) para correr e somente depois mandou avisar ao Seu Antônio. 
O sanfoneiro enaltece o seu trabalho de conquistador dizendo assim: 
- Meu trabalho de base como namorado durante os primeiros 90 dias foi muito bem feito (risos geral), foi muito importante. Eu tinha 45 anos e ela 21. Naquela época um rapaz da minha idade ou era viúvo ou rapaz velho, realista, que não queria se casar. 
Para mostrar a seriedade de sua intenção casamenteira mandou uma carta para o Seu Antônio que veio conversar com ele e disse: 
- Biu, você é um homem bom (ele tinha 45 anos), eu tinha dúvida se você cumpriria o compromisso, mas, você é um homem de bem. 
Vamos tocar este casamento para frente. 
Seu Antônio foi um dos meus maiores amigos; os meus cunhados gostam muito de mim e as cunhadas, nem se fala! 

Do livro Biu de Dedé

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