quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Capítulo II - Biu de Dedé


O  ano de 1952 foi um ano alvissareiro. 
 Biu já tinha três cabeças de gado e já tinha se expandido, plantando algodão nas terras de uma tia que, bondosamente, deixava que ele pagasse a renda como bem lhe aprouvesse, bem à vontade; foi uma safra de algodão muito boa vendida a bom preço. Vendeu também duas das três reses e se arrumou para ir para Campina Grande realizar o seu grande sonho: comprar uma sanfona. 
Entrementes, como só ia acontecer com a parentada que se preo
cupa conosco, Biu conta esta estória: 
- Um parente meu, Nequinho, tio de Sales Vicente soube do meu propósito e chegou lá em casa dizendo: 
- Biu, eu vim aqui para lhe aconselhar a não comprar a sanfona, pois, você viu o resultado de Zezé Madeiro (tio de Zé Madeiro); morreu de tuberculose porque bebia, jogava, fumava e farreava com mulheres. Pegue esse dinheiro e vá trabalhar de matuto como eu trabalho; compre uma tangida de quatro burros e vá trabalhar de matuto que a coisa fica melhor para você. 
Eu disse: 
- Nequinho, eu lhe agradeço esta preocupação, mas, não vou obedecer ao seu conselho. Eu vou tocar e administrar bem o meu dinheiro; como não bebo e não jogo, vai ser fácil. Nem café eu e Wando tomamos. 
Neguinho contemporizou: 
- Se é assim, está bem... 
Fui para Campina Grande e comprei um acordeão de 80 baixos e dois registros, marca Universal, na cor cinza; comprei também um pandeiro bom, pois Vanduí aprendeu a tocá-lo e me acompanhava tocando e cantando. 
O dinheiro só deu para comprar isso; não sobrou nada. Era quase o preço de uma sanfona italiana hoje. 
Fui para o hotel do meu primo Anízio Caiana. 
Nesta época, eu tocava três baiãozinhos e fui logo ensaiando essas três músicas. Neste mesmo tempo os sanfoneiros Zé Izidro e Zé de Pêdão eram famosos. 
Eu era solteiro e metido a namorador; ia para todos os bailes. Onde tivesse arrasta-pé lá estaria Biu de Dedé. 
Estes sanfoneiros referidos eram homens de ação; na hora da cota me deixavam tocar porque assim, além de não pagar para dançar, eles ainda me davam algum dinheirinho. 
Vim do hotel para o Cantinho e comecei a ensaiar para aumentar o repertório, pois, as três músicas que sabia eram: Juazeiro, Asa Branca e Ultimo Pau de Arara. 
Fui convidado, com 15 dias, para tocar um casamento em Itaporanga, o casamento de Chico Lacerda com Abissinta Vicente, irmã de Sales Vicente. 
A festa seria das 19 horas até às 5 da manhã. Quando deu meia 
noite, Sales falou: 
- Biu, não dá pra você tocar alguma outra música diferente desse seu repertorio? 
Eu disse: 
- Não, Sales, pois eu só sei estas três; estou começando agora, só faz 15 dias. 
Ele disse: 
- Então continue tocando, vamos beber mais uma e seja o que Deus quiser. 
Acho que todo mundo aprendeu a cantar essas músicas de tanto eu tocá-las. (Risos) 
Não me acomodei; fiquei sempre ouvindo a Radio de Crispim, pois, lá tocava músicas variadas. 
Era uma época de coisas difíceis; não havia as facilidades de hoje. 
Quem tinha vitrola, como Izidro Madeiro, era coisa rara. Se eu tivesse uma coisa desta seria mais fácil de treinar. Eu pegava a música era de ouvido, através da rádio; tocava e via se faltava alguma nota. Tocava de novo e assim fui fazendo e aumentei o meu repertório suficiente para tocar de 19 horas até às 5 da manhã, sem o pessoal cobrar repertório; até já pedia para repetir algumas músicas. 
Toquei, assim, por longos 20 anos. 
O horário, nos 15 primeiros anos era de 19 horas às 05 horas da manhã, pois, a festa era nos sítios e como não tinha onde o pessoal dormir, tinha que ser até o dia amanhecer. 
Eu já avisava para a dona da casa para guardar carne com farofa para eu comer mais tarde, n hora da cota. 
Vanduí já sabia tocar; ficava cantando e parava. 
O povo aplaudia e, na hora do bis, a cota era tirada para evitar que o povo fosse embora sem pagar; enquanto isso eu comia. 
A cota era preço fixo. 
Eu percebi que o dinheiro não era repassado cem por cento; o responsável ficava com a parceria, sem combinação prévia. Então, comecei a levar um cara responsável pela contabilidade; ele ia com o responsável da festa que dizia de quem cobrar e, assim, deu certo, porque eu não tinha um preço ajustado. Poderia cobrar um preço e os organizadores não arrecadarem aquela quantia; eles teriam que pagar do bolso, então, não me contratavam mais.  
A melhor ideia era a cota e usei sempre esse sistema. Se a cota fosse boa ou ruim iria toda para o meu bolso; eu só queria ficar conhecido. 
Assim fui procedendo; quando sobrava alguma coisa eu comprava um garrote e assim fui aumentando o meu cabedal. Quando os negócios iam bem e chegava o final do ano, eu tirava duas ou três vacas e dava para Vanduí. 
Nossa ligação era diferente: se eu precisasse ele acudia, se ele precisasse eu acudia. 
Fui comprando terrenos; lembro-me que a primeira casa que construí foi um sótão grande. Perguntavam para que serviria. Foi servindo para armazenar os cereais que comprava e os revendia quando houvesse uma época de melhor preço, mas, ainda assim continuava trabalhando na agricultura; contudo, o acordeão foi a base, foi a fonte de renda aplicada contando com a minha inteligência e ajudado por Deus. 
Eu, autor, fiz uma paródia com a música de Luiz Gonzaga “Respeita Januário”, como se Biu fosse Luiz e Dedé fosse Januário. 

Paródia de Respeita Januário

Quando eu voltei lá de Campina
Com a minha concertina
Eu quis mangar de Seu Dedé
Com a sanfona acinzentada
Oitenta baixo coladinhos,
Botões pretos bem juntinhos
Uma negada empareada
Mas, antes de entoar meu grito
De passagem por Bonito
Foram logo me dizendo:
De Ibiara à Cajazeiras,
Conceição a Piancó, Seu Dedé é o maior!
E foi aí que me falou meio zangado Seu Chicó:
Ô Biu respeita o teu papai
Ô Biu respeita o teu papai
Ô Biu, tu pode ser famoso, mas teu pai é mais tinhoso
E com ele tu não fica em pé
Ô Biu, respeita os oito baixo de Dedé
Respeita os oito baixo de Dedé.

Do livro Biu de Dedé

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