A professora Laura Oliveira é um dos | marcos da educação de Pedra Branca |
Tão importantes quanto o pioneirismo
e os ensinamentos de Laura de Sousa Oliveira são suas lições de vida ao longo
dos últimos 90 anos: o tempo de sua idade, renovada a cada 15 de abril. Os sacrifícios
e dificuldades que enfrentou para estudar e depois ensinar foram, marcadamente,
terríveis, mas, gloriosamente, superados, e isso graças à luta e abnegação da
mulher que deixou de lado os próprios anseios pessoais para dedicar-se à causa
da educação, tornando-se a primeira professora de Pedra do Fumo, hoje Pedra
Branca.
“Às vezes me perguntam por que eu
não me casei, e respondo que Deus tinha outro plano para minha vida: realizar a
vontade do meu pai, que queria uma professora para ensinar o povo, porque
naquele tempo aqui não havia quem ensinasse, e as crianças cresciam sem instrução
escolar”, recorda a professora Laura. Ela foi uma exceção em meio a essa triste
realidade, mas precisou enfrentar muitos martírios, nada que não compensasse a
busca do aprender para depois ensinar: missão por demais nobre e necessária em
um momento e lugar de profunda escuridão intelectual.
Filha do agricultor e músico
autodidata, Antônio de Sousa Oliveira, que atuou em bandas de Nova Olinda e
Santana dos Garrotes no começo do século passado, Laura recebeu suas primeiras
lições no início da década de 30, estudando em uma escolinha particular que funcionava
na povoação novolindense. Em 1935 foi estudar em Itaporanga: aluna de um educandário
privado, cujos professores eram um juiz de direito (Paulo Bezerro) e um
promotor de Justiça (Antônio Lávea), mas no ano seguinte mudou-se para o
colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Cajazeiras. Foram quilômetros e quilômetros
sobre o lombo de um cavalo para alcançar seu objetivo, sempre acompanhada do
pai. “Eu lembro que a gente demorava três dias para chegar em Cajazeiras no
tempo de inverno, passando riachos cheios e caminhos esburacados, mas papai fez
de tudo para que eu estudasse”, comenta.
A missão de ensinar Laura
Oliveira não chegou a concluir seus estudos normais em função das dificuldades,
mas o que havia aprendido já era suficiente para iniciar o magistério: a
segunda etapa de sua vida começava ali. Em 1937 montou uma escolinha para
alfabetizar as crianças da comunidade, que, no ano seguinte, ganhou seu
primeiro educandário público: a Escola Elementar Rural Mista de Pedra do Fumo
foi construída por Praxedes Pitanga, então prefeito de Itaporanga, município a
que pertencia, à época, a terra da nobre professora.
Depois de dez anos lecionando no
local, a professora Laura foi vítima de uma implacável perseguição política,
que a tirou da escola: ela foi transferida para Serra Grande, a dezenas de
quilômetros de sua terra. “Eu nunca gostei de política nem fazia política,
mesmo assim era perseguida por causa, acredito, da inveja e maldade de gente
daqui mesmo”, conta. A professora chegou a ir à localidade para a qual foi nomeada,
tentar assumir o trabalho, mas não deu certo. Alguns meses depois, graças a
entendimentos entre familiares seus e líderes políticos de Itaporanga, ela foi
nomeada para o Minador, sítio próximo a Pedra do Fumo.
Três anos mais tarde, uma nova
perseguição política tirou a professora do Minador e a transferiu para o sítio
Cantinho, em Itaporanga, só retornando à sua escola de origem um ano depois.
Naquela época, como os transportes e comunicação eram precários, nomear uma
professora para uma escola distante de sua casa era submetê-la a um grande sofrimento.
“Eu sofri muito, e fiquei até com problemas emocionais por causa dessas
perseguições, mas não me arrependo, e dou graças a Deus e ao meu pai pelo
esforço para me ver em uma sala de aula, cumprindo com minha missão de educar”,
comenta.
Além das perseguições, teve que enfrentar
também os problemas comuns ao cotidiano da educação naquele tempo: a falta de
material didático e escolar e incontáveis e sofridas noites em meio à fumaça de
um candeeiro para preparar as aulas que, no dia seguinte, seriam aplicadas a
meia centena de alunos de diferentes idades e séries. Somente poucos anos antes
de se aposentar é que Laura de Sousa Oliveira conseguiu um pouco mais de
sossego. Foi ela quem doou o terreno para a construção do primeiro grupo
escolar de Pedra Branca, em 1961. Coube à professora também denominar a escola,
que recebeu o nome de Raimundo Epaminondas de Sousa, uma homenagem ao seu
bisavô materno.
Laura de Sousa Oliveira também é
nome de escola em Pedra Branca. Mais do que uma homenagem, batizar um centro de
ensino com o nome da professora foi um reconhecimento do poder público municipal
ao importante serviço prestado por Laura à educação do município. “Quando o
prefeito Zé de Sousa tomou essa iniciativa de me homenagear, algumas pessoas criticaram
dizendo que a homenagem era ilegal porque eu ainda estava viva, mas eu nem
queria homenagem nenhuma porque nunca fui de me exaltar”, enfatiza.
Foi no grupo Raimundo Epaminondas
onde se aposentou em 1965. Deixou a sala de aula para empenhar-se em outra
missão: cuidar do pai, já idoso e doente; dá conta de cinco sobrinhos, órfãos
de mãe, e da filha adotiva.
Viu a cidade nascer
Laura Oliveira testemunhou o
surgimento vagaroso da cidade, que nasceu e cresceu sob a luz dos seus ensinamentos.
A primeira casa que foi erguida no lugar pertencia a um parente dela, Raimundo
de Sousa Araújo. A professora morava um pouco mais distante de onde hoje é a zona
urbana de Pedra Branca, “mas naquele tempo toda essa área se chamava Pedra do
Fumo, e só depois, a pedido de Frei Damião, é que o município mudou de nome e
passou a se chamar Pedra Branca.”
Atualmente, aos 90 anos, mas
ainda lúcida e atenciosa, Laura de Sousa Oliveira reside sozinha em uma casa ao
lado da escola que carrega o seu nome. Ao avaliar a educação pública de hoje,
diz que no seu tempo os alunos eram mais disciplinados e os pais acompanhavam
melhor a vida escolar dos filhos. A reportagem da Folha a encontrou em casa no
exercício de um hábito diário: a leitura. Pos as revistas de lado e conversou
conosco durante uma hora e meia. Era começo da tarde de dez de setembro.
Jornal Folha do
Vale em 26/08 a 15/09/2009
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