sexta-feira, 10 de outubro de 2014

As lições de uma pioneira

A professora Laura Oliveira é um dosmarcos da educação de Pedra Branca
Tão importantes quanto o pioneirismo e os ensinamentos de Laura de Sousa Oliveira são suas lições de vida ao longo dos últimos 90 anos: o tempo de sua idade, renovada a cada 15 de abril. Os sacrifícios e dificuldades que enfrentou para estudar e depois ensinar foram, marcadamente, terríveis, mas, gloriosamente, superados, e isso graças à luta e abnegação da mulher que deixou de lado os próprios anseios pessoais para dedicar-se à causa da educação, tornando-se a primeira professora de Pedra do Fumo, hoje Pedra Branca.

“Às vezes me perguntam por que eu não me casei, e respondo que Deus tinha outro plano para minha vida: realizar a vontade do meu pai, que queria uma professora para ensinar o povo, porque naquele tempo aqui não havia quem ensinasse, e as crianças cresciam sem instrução escolar”, recorda a professora Laura. Ela foi uma exceção em meio a essa triste realidade, mas precisou enfrentar muitos martírios, nada que não compensasse a busca do aprender para depois ensinar: missão por demais nobre e necessária em um momento e lugar de profunda escuridão intelectual.

Filha do agricultor e músico autodidata, Antônio de Sousa Oliveira, que atuou em bandas de Nova Olinda e Santana dos Garrotes no começo do século passado, Laura recebeu suas primeiras lições no início da década de 30, estudando em uma escolinha particular que funcionava na povoação novolindense. Em 1935 foi estudar em Itaporanga: aluna de um educandário privado, cujos professores eram um juiz de direito (Paulo Bezerro) e um promotor de Justiça (Antônio Lávea), mas no ano seguinte mudou-se para o colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Cajazeiras. Foram quilômetros e quilômetros sobre o lombo de um cavalo para alcançar seu objetivo, sempre acompanhada do pai. “Eu lembro que a gente demorava três dias para chegar em Cajazeiras no tempo de inverno, passando riachos cheios e caminhos esburacados, mas papai fez de tudo para que eu estudasse”, comenta.

A missão de ensinar Laura Oliveira não chegou a concluir seus estudos normais em função das dificuldades, mas o que havia aprendido já era suficiente para iniciar o magistério: a segunda etapa de sua vida começava ali. Em 1937 montou uma escolinha para alfabetizar as crianças da comunidade, que, no ano seguinte, ganhou seu primeiro educandário público: a Escola Elementar Rural Mista de Pedra do Fumo foi construída por Praxedes Pitanga, então prefeito de Itaporanga, município a que pertencia, à época, a terra da nobre professora.

Depois de dez anos lecionando no local, a professora Laura foi vítima de uma implacável perseguição política, que a tirou da escola: ela foi transferida para Serra Grande, a dezenas de quilômetros de sua terra. “Eu nunca gostei de política nem fazia política, mesmo assim era perseguida por causa, acredito, da inveja e maldade de gente daqui mesmo”, conta. A professora chegou a ir à localidade para a qual foi nomeada, tentar assumir o trabalho, mas não deu certo. Alguns meses depois, graças a entendimentos entre familiares seus e líderes políticos de Itaporanga, ela foi nomeada para o Minador, sítio próximo a Pedra do Fumo.

Três anos mais tarde, uma nova perseguição política tirou a professora do Minador e a transferiu para o sítio Cantinho, em Itaporanga, só retornando à sua escola de origem um ano depois. Naquela época, como os transportes e comunicação eram precários, nomear uma professora para uma escola distante de sua casa era submetê-la a um grande sofrimento. “Eu sofri muito, e fiquei até com problemas emocionais por causa dessas perseguições, mas não me arrependo, e dou graças a Deus e ao meu pai pelo esforço para me ver em uma sala de aula, cumprindo com minha missão de educar”, comenta.

Além das perseguições, teve que enfrentar também os problemas comuns ao cotidiano da educação naquele tempo: a falta de material didático e escolar e incontáveis e sofridas noites em meio à fumaça de um candeeiro para preparar as aulas que, no dia seguinte, seriam aplicadas a meia centena de alunos de diferentes idades e séries. Somente poucos anos antes de se aposentar é que Laura de Sousa Oliveira conseguiu um pouco mais de sossego. Foi ela quem doou o terreno para a construção do primeiro grupo escolar de Pedra Branca, em 1961. Coube à professora também denominar a escola, que recebeu o nome de Raimundo Epaminondas de Sousa, uma homenagem ao seu bisavô materno.

Laura de Sousa Oliveira também é nome de escola em Pedra Branca. Mais do que uma homenagem, batizar um centro de ensino com o nome da professora foi um reconhecimento do poder público municipal ao importante serviço prestado por Laura à educação do município. “Quando o prefeito Zé de Sousa tomou essa iniciativa de me homenagear, algumas pessoas criticaram dizendo que a homenagem era ilegal porque eu ainda estava viva, mas eu nem queria homenagem nenhuma porque nunca fui de me exaltar”, enfatiza.

Foi no grupo Raimundo Epaminondas onde se aposentou em 1965. Deixou a sala de aula para empenhar-se em outra missão: cuidar do pai, já idoso e doente; dá conta de cinco sobrinhos, órfãos de mãe, e da filha adotiva.

Viu a cidade nascer
Laura Oliveira testemunhou o surgimento vagaroso da cidade, que nasceu e cresceu sob a luz dos seus ensinamentos. A primeira casa que foi erguida no lugar pertencia a um parente dela, Raimundo de Sousa Araújo. A professora morava um pouco mais distante de onde hoje é a zona urbana de Pedra Branca, “mas naquele tempo toda essa área se chamava Pedra do Fumo, e só depois, a pedido de Frei Damião, é que o município mudou de nome e passou a se chamar Pedra Branca.”

Atualmente, aos 90 anos, mas ainda lúcida e atenciosa, Laura de Sousa Oliveira reside sozinha em uma casa ao lado da escola que carrega o seu nome. Ao avaliar a educação pública de hoje, diz que no seu tempo os alunos eram mais disciplinados e os pais acompanhavam melhor a vida escolar dos filhos. A reportagem da Folha a encontrou em casa no exercício de um hábito diário: a leitura. Pos as revistas de lado e conversou conosco durante uma hora e meia. Era começo da tarde de dez de setembro.


Jornal Folha do Vale  em 26/08 a 15/09/2009

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