segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Praxedes Pitanga - O destino, a luta, o tempo


Aos seis ou sete anos de idade comecei a trabalhar em tarefa maneira, peculiar à minha idade: botar bezerro na roça, dar ração ao gado. Após oito ou nove anos fui à escola primária, frequentando apenas três dias por semana. Os outros eram destinados ao trabalho. Aos nove anos, sabendo ler, escrever e contar, fui dirigir uma bolandeira do meu avô materno. Certo dia, faltando um cevador de algodão, entendi de substituí-lo. O testo exterior da máquina desaferrolhou, ficando o tambor das serras rodando a descoberto, e quase perdi a perna direita, saindo ainda com ferimentos no joelho direito. Foi meu primeiro brasão. 

Minha mãe não mais consentiu esse trabalho na bolandeira e eu fui negociar com um banco de miudezas. Ela também não consentiu, sob a alegação de que eu era muito criança para ficar nesse ajuntamento público, onde sempre havia barulho decorrente da perseguição de soldados embriagados aos meus parentes, a mando dos nossos adversários, quase sempre com saldo funesto. Daí porque minha mãe não consentiu que eu negociasse na feira, a menos que prometesse abandonar o banco de miudezas quando começasse a confusão. 

Depois, esse comércio ambulante se estendeu às vilas de Boa Ventura e São Paulo, hoje Diamante. Eu viajava aos domingos em cima dos caixões de miudezas, em lombo de animais. Só regressava a Misericórdia na segunda-feira à noite. Na terça­feira passava a frequentar irregularmente o colégio particular "Pedra América", dirigido pelo bacharelando Manoel Diniz. Foi em 1910, que adquiri noções de francês, português, história, aritmética etc., que seis anos adiante me serviriam para fazer no Liceu Paraibano os exames parcelados. 

Continuei com o meu comércio até 1915, quando perdi o que havia vendido fiado e, com a tremenda estiagem, o gadinho que tinha. Entre 1913 e 1914 fui ao Recife comprar miudezas, chapéus, ferragens e estivas a crédito. Estabeleci-me com uma grande loja, permanecendo até 1915. No ano seguinte, liquidando a minha casa comercial, pagando integralmente à praça, fiquei sem meio de vida. Isto aos 17 anos de idade. Foi quando, no fim de julho para começo de agosto, resolvi ir estudar no Liceu Paraibano, com apenas aquelas noções de humanidades que aprendera seis anos antes no colégio "Pedro América", de Misericórdia. 


SOMBRAS E ASSOMBRAÇÕES

A viagem até Campina Grande era a cavalo, gastando-se seis ou sete dias no percurso, enfrentando sol ardente, zona infestada de cangaceiros e água salgada. Matriculei-me no Liceu em agosto, como ouvinte. Quatro meses depois estava aprovado em sete preparatórias finais, tendo como base de conhecimento apenas aqueles rudimentos de humanidades aprendidos em 1910. Em 1917 fiz mais quatro preparatórias, o máximo que um estudante podia fazer, em face da reforma educacional. Finalmente, em 1918, fiz a última preparatória.

No ano seguinte, viajando até Campina Grande de ida e volta, sempre a cavalo, fiz o vestibular de Direito, fui aprovado e me matriculei no primeiro ano do Curso Jurídico da Faculdade de Direito do Recife. Não pude frequentar a Faculdade por vários motivos, incluindo a forte perseguição do Governo do Estado à minha família, ao ponto de serem processados oito membros da mesma família, inclusive um sacerdote, uma senhora e um homem cego. Forçaram a "fabricação" de provas para responsabilizar essas oito pessoas pelo assassinato de um dos nossos adversários políticos.

Figurei, na qualidade de acadêmico de Direito, como um dos seis advogados que defenderam aquelas vítimas da infâmia e da perseguição política forjadas nos porões do Palácio do Governo. O Tribunal de Justiça pôs por terra a perversa ação, acatando o parecer do Dr. José Américo de Almeida, à época procurador do Estado. 

Em 1921, uma hecatombe ocorreu em Misericórdia. Assassinaram de emboscada, dentro da vila, o maior líder político de minha família, Meus parentes mais categorizados resolveram abandonar Misericórdia e foram residir em localidades cearenses e norteriograndenses, pois era urna luta desigual entre eles e a situação oficial. Fiquei na Paraíba representando a família Genipapo, sem garantia de vida para ir a Misericórdia. Suportei quatro anos de flagelos do Governo Solon de Lucena e mais quatro do Governo João Suassuna. Foram oito anos de sombras e assombrações na Paraíba. 

Dr. Praxedres Pitanga narra sua vida aos médicos Paulo Soares e Djacy Andrade, e ao filho engenheiro Frederico Pitanga
COM JOÃO PESSOA

Em 1928, quase desenganado de melhoria nessa vexatória situação, fui ao Rio de Janeiro, ali avaliando, conjuntamente com monsenhor Manoel Gomes, a nossa condição. Pedimos audiência para falar com o senador Epitácio Pessoa, chefe supremo do Partido Epitacista aqui no Estado. Epitácio nos ouviu a mim, a monsenhor Gomes e a José Gomes, e nos comunicou que João Pessoa seria escolhido presidente da Paraíba e viria para corrigir as situações de injustiças que haviam aqui no Estado. Voltei do Rio e esperei a chegada de José Gomes em Cajazeiras. 

Com a notícia de que João Pessoa viria governar o Estado, quebrou-se a onda de perseguições à minha família. Pude, assim, ir com José Gomes fazer uma eleição em Misericórdia. Ganhamos essa eleição, mas nossos adversários tinham as mesas apuradoras nas mãos e destruíram nossa maioria. Recorri. Os adversários amarraram o recurso para não ir ao Tribunal. João Pessoa demitiu o juiz suplente e nomeou o Dr. Francisco de Paula Porto, juiz municipal de Misericórdia, para remeter o recurso ao Tribunal. Este anulou a eleição e João Pessoa entregou a mim e a José Gomes a direção política de Misericórdia, nomeando este prefeito. 

Foi nesse tempo que se deu a candidatura de João Pessoa a vice-presidente da República, como companheiro de chapa de Getúlio Vargas, contra o Governo Federal. João Pessoa não consentiu a reeleição da bancada federal e deu-se o rompimento do Partido Epitacista. Os rebeldes foram juntar-se à oposição. Deu-se o levante de Princesa, sob o comando de José Pereira. Eu e José Gomes lutamos de arma na mão, repelindo os ataques dos sublevados de Princesa, à Misericórdia. 

Logo depois veio a morte de João Pessoa, e o triunfo da revolução de 30. José Américo, como chefe da Revolução no Nordeste, me nomeou membro da Comissão Judiciária, que tratou de apurar a responsabilidade dos ex-rebeldes de Princesa. Terminado o inquérito, pedi exoneração de representante do Ministério Público naquela comissão. O interventor Antenor Navarro me pediu que aguardasse mais um pouco, pois precisava dos meus serviços em Alagoa Grande, para onde me removeu. Estava para viajar quando, inopinadamente, deu-se um atrito entre mim e elementos da Guarnição Federal aquartelada em Princesa. 

Não chegamos ao choque corporal. Ficou só em ameaças. De Alagoa Grande, onde tive atuação difícil - em virtude de, como promotor público, ter dado assistência a camponeses pobres prejudicados por proprietários de terra com rnentalidade medieval - fui removido, a pedido, para ltabaiana. Alguns meses depois me choquei com o juiz da Comarca. Tendo razão, queixei-me ao Tribunal de Justiça, que designou o desembargador Maurício Furtado para proceder sindicâncias, que foram favoráveis a mim. Mas o juiz deixou de ser punido porque Argemiro de Figueiredo, cunhado de um irmão do magistrado, influenciou, na qualidade de secretário do Interior do interventor Gratuliano Brito. Por isso pedi demissão do cargo de promotor público de ltabaiana. Mateus de Oliveira e Samuel Duarte, respectivamente diretores de “O Norte” e “A União”, escreveram notas elogiosas à minha conduta. 

DUAS NOMEAÇÕES PARA PREFEITO

Deixando a promotoria de Itabaiana no fim de 1933, fui advogar na capital, tendo em campo oposto, nas demandas do foro, Botto de Menezes, Flóscolo da Nóbrega e Horácio de Almeida, entre outros. Em 1934 deu-se o meu rompimento com José Gomes por não ter sido ouvido na organização da chapa de candidatos a vereador. Registrei uma legenda eleitoral denominada “Reação Cívica” e, entre os sete vereadores eleitos, eu consegui fazer três. Em 1934, Argemiro de Figueiredo, no Governo, mandou me oferecer a Delegacia de Ordem Política e Social, recém-criada. 

Quando assumi o cargo, João Santa Cruz e cerca de 25 camponeses já estavam presos. Fiz e relatei o inquérito que procedi, sendo um dos meus relatórios publicados no livro “História da Paraíba na Sala de Aula”, da professora Terezinha Ramalho Pordeus. Não ficaram só nessas funções de delegado as minhas atividades. Argemiro me designou para, juntamente com Raul de Goes e João Franca, procurar neutralizar a penetração política de Antônio Botto nos bairros da cidade, notadarnente Cruz das Armas. 

No começo de 1937, o padre Cirilo de Sá exigiu de Argemiro a minha nomeação para prefeito de Antenor Navarro. Consultando-me, neguei-me a aceitar a nomeação. Diante da insistência do padre, Argemiro pediu-me para aceitar o cargo pelo menos por uns dois ou três meses. O Estado Novo me apanhou como prefeito de Antenor Navarro. Passando Argemiro de governador a interventor federal, fui nomeado prefeito de Misericórdia no dia 8 de dezembro de 1937 e estive no cargo até agosto de 1940, quando pedi exoneração em solidariedade a ele, exonerado da interventoria, que Ruy Carneiro assumiu. 

Continua...

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