domingo, 2 de novembro de 2014

Dois Poemas de Pompílio Diniz

CONSEIO

Era assim que eu lhe dizia
Menina você me insurta
Repare essa saia curta
Cuidado que o povo espia
Pois quando ocê vai passando
Os ôme ficam rezando
Prá que dê uma ventania…

Assuba mais o decote
Que assim tá muito descido
E prú favor tomem bote
Uma barra nesse vestido
Menina: ninguém é santo
Repare que em tudo canto
Tá assim de ôme inxirido…

Mas vosmecê repare só
Ela não tinha receio
Se eu falasse era pió
Porque depois do conseio
Prú capricho ela botava
Um vestido que amostrava
A “metade” du jueio…

Pois vosmecê logo imagina
O que isso tudo veio dá…
Coitadinha da menina,
Eu cansei de lhe avisá.
Pois sabe o que acunteceu??…
Ela casou-se cum eu
Tem dez filhos pra criar.


* * *



O RESADÔ

Seu dotô eu num lhe engano,
Eu tenho mais de trinta ano
Que moro neste lugá,
Dou-lhe a palavra de home,
Se num qué morrê de fome,
Vá vivê na capitá…

Aqui no nosso Sertão
Essa história de injeção
O pessoá tem receio…
E vosmicê cuma é novo
E num cunhece esse povo,
Eu vou lhe dá um conseio…

Quando o dotô receitá
Num mande a roupa tirá,
Pruque nossa gente acha
Qui essas coisa é muito feia…
E o cabra morre na peia
Mas a ropa, ele num baxa!

A coisa aqui é isquisita,
O povo num aquerdita
Im receita de dotô…
Já é custume da gente,
Quando arguém está duente
Chamá logo o rezadô…

Se o cabra tá muribundo
Manda chamá Zé Reimundo
Qui é resadô diligente
E a todo mundo socorre.
Quando reza, ou o cabra morre
Ou fica bom de repente!

Cum fé no coração
E três gaio de pinhão
Três vez rezano incruzado,
Lhe agaranto, Zé Reimundo
Dexa quarqué muribundo
Bonzinho, forte e corado.

Voismicê que tá me ouvino
Se pensa que eu tô mentino,
Pode crê que tá inganado!
Pra qui o sinhô se convença,
Vô lhe contá as duença
Que o resadô tem curado:

Panariça e sete côro,
Ferida braba e friera,
Murdidura de bisôro,
O má de izipra e cocêra,
E tudo quanto é ferida,
Dô de ispinhela caída,
Garganta inchada e papêra.

Dô de dente, istalicido,
Dô nas costa, istambo inchado,
Dô de cabeça e zumbido,
Ança, ingasgo, dô do lado,
Quarqué ispéce de dô,
Zé Reimundo resadô
Muita gente tem curado!…

Cum ele num tem gogó.
Essa história de agunia,
Quebranto, oiado, três-só,
Injôo, malicunia,
Sarna, bixeira e sarampo,
Ligero qui nem relampo,
Cura da noite pru dia…

Murdida de cascavé,
Jararaca e salamandra,
O sujeito teno fé,
Essas coisa num lhe ispanta!
Zé Reimundo bota a mão,
E na merma ocasião
O duente se alevanta!…

Purisso que o pessuá
Só precura Zé Reimundo!
Ele aqui, nesse lugá,
É premero, sem segundo…
Inquanto houvé resadô
Ninguém liga pra dotô,
Nem qui venha do otro mundo.

Pois o próprio Zé Reimundo,
No tempo que aqui chegô,
Mostrava pra todo mundo
Seu diproma de dotô…
E quaje morre de fome!
Precisô mudá de nome
E trená pra resadô!…

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