Anatália Martins Vieira, 62, presidente das Obras Sociais da Ordem Franciscana Secular de Itaporanga, guarda uma relíquia muito preciosa para a comunidade católica da Paraíba: trata-se da camiseta de celebração de Frei Martinho Jansweid, um frade alemão que chegou a Paraíba em 1911, cuja vida, realmente incontestável em grau de heroísmo, contribuiu para se criar uma aura de santo, em torno de sua personalidade apostólica.
Para tomar isto público a Direção do Convento do Rosário, em João Pessoa, registra a biografia do religioso no livro “Frei Martinho - Uma Herança Viva da Fé Cristã”, responsável pela construção de cinco grandes igrejas no Estado e mais 17 fraternidades franciscanas na Paraíba e no Ceará. “Eu guardo esta camiseta por simples devoção. Até hoje eu não sabia que ela tinha tanto significado histórico, cultural e religioso”, diz Anatália. A peça do vestuário ritual de Frei Martinho é uma camiseta de gola redonda e manga curta, normalmente usada por baixo da batina, nas celebrações. Anatália talvez seja a única pessoa a residir na Paraíba que possua uma relíquia de uso pessoal de Frei Martinho. A peça tem mais de 80 anos.
Anatália evita o contato de mãos ou do ar com a camiseta, por temer danos ao tecido. A relíquia está no seio de sua família desde a morte de Frei Martinho, no dia 28 de julho de 1930. Neste dia, o cadáver de um importante estadista brasileiro também chegava a Capital: era o do então governador João Pessoa, assassinado dois dias antes, em Recife, pelo advogado João Dantas. No necrológio do missionário, cuja autoria é atribuída a Frei Stanislau Cleven, existem passagens interessantes sobre a vida missionária de Frei Martinho. Conta-se que certa vez ele chegou a uma fazenda sertaneja e pediu um cavalo emprestado, para continuar sua viagem. O dono do animal não atendeu ao pedido e despediu o frade de forma grosseira. Frei Martinho profetizou que ninguém mais montaria aquele cavalo. Na tarde do mesmo dia o cavalo morreu.
Antônio Silvino, o famoso cangaceiro, ousou invadir um povoado onde Frei Martinho costumava parar, para cumprir suas missões. Horas antes, o frade o havia aconselhado a não molestar o povoado. Silvino, cujo nome verdadeiro era Manoel Batista de Morais, não levou em conta a advertência. Acabou preso por uma volante policial e cumpriu 15 anos de cadeia no Recife. Certa vez Frei Martinho cumpria uma viagem de crismas. Um rapaz disse, em tom de galhofa, que iria mandar um burro para ser crismado. O homem caiu morto na mesma hora. Em 24 de setembro de 1917, ao passar, mais uma vez por Misericórdia (atual Itaporanga), Frei Martinho concedeu o hábito de São Francisco de Canindé a Carolina Diniz. Ela era irmã de Padre Joaquim Diniz. Hoje, esses personagens estão bem próximos de nós, através de um descendente ilustre, Dr. Antônio Fernando Diniz, ex-bispo de Guarabira. Nascido em Colônia (Alemanha), no dia 5 de dezembro de 1876, Frei Martinho ingressou na Ordem dos Frades Franciscanos Menores em 13 de maio de 1894. Sua disposição e entusiasmo para a catequese contribuíram para que os superiores o transferissem para o Nordeste do Brasil, com apenas dois meses de noviciado. Estudou Filosofia e Teologia no Convento de Salvador (Bahia). Alcançou a ordenação sacerdotal em 22 de dezembro de 1900, através do Arcebispo Primaz D. Jerônimo Tomé da Silva. Transferido para a Paraíba, em 1911, dedicou-se ao Colégio Seráfico Santo Antônio, rebatizado como escola Apostólica, que funcionava num anexo da Igreja de São Pedro Gonçalves, em João Pessoa. São incontáveis o número de retiros e missões pregados no interior, por este frade incansável, que percorria os longínquos rincões da Paraíba e do Ceará montado a cavalo ou mesmo a pé.
Somente na Diocese de Cajazeiras, Frei Martinho fundou as fraternidades de Souza, Pombal, Cajazeiras, Itaporanga, São João do Rio do Peixe, Malta e Catolé do Rocha. As fraternidades de Malta e Pombal não existem mais. Em outubro de 1917 plantou uma semente missionária em Piancó. Mas não voltou lá, por causa da rivalidade entre os padres Aristides e Manoel Otaviano. Martinho não quis tomar partido. Aristides, que vivia abertamente com a mulher e os filhos em Piancó, acabou morto pela Coluna Prestes, em 1926. Em Itaporanga, Martinho, que tinha aversão a publicidades e rixas, também respeitou o ponto de vista do pároco local, que não permitiu colocar, em altar especial, uma imagem de São Francisco, antes da imagem de Jesus. Martinho deu a planta e dirigiu a construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Mas deixou a obra na altura dos altares.
Sua reconhecida obra de heroico missionário também lhe rendeu homenagem especial no Curimataú Paraibano, onde existe um município com o seu nome. Durante a Páscoa de 1930, Frei Martinho foi acometido de forte gripe. Pressentindo que a morte estava próxima resolveu retirar-se para João Pessoa. Chegou muito febril em Soledade , onde o esperava o Provincial Frei Amadeu, que o transportou para a Capital. Em 26 de julho de 1930, o arcebispo D. Adauto de Miranda Henriques concedeu-lhe a bênção e dele se despediu. Frei Martinho pediu a extrema-unção e o Santo Viático. Perdeu os sentidos no dia seguinte. Faleceu no dia 28. Seu corpo se encontra na Cripta da Igreja do Rosário, em Jaguaribe, onde é visitado por centenas de fiéis, todos os anos.
Revista "Itaporanga, 144 anos de história"
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