Caso atesta a falência e desmoralização das instituições públicas
Por Redação da Folha – No dia seguinte à comemoração festiva e cara dos 53 anos de emancipação política de Boa Ventura, uma cena traduziu o verdadeiro retrato da aniversariante: a miséria que se abate sobre uma considerável parcela da população, e uma única mulher pode exemplificar bem isso.
Na verdade, uma adolescente de apenas 18 anos, Ana Clara Bento da Silva: magra, mal vestida, maltratada, mal- alimentada e zangada como um bicho bruto acuado. O abandono e a exclusão que sofreu desde a infância levaram-na cedo à prostituição e ao alcoolismo. Mãe solteira de dois filhos, não pode criar nenhum. “Não tenho casa, não tenho onde morar, passo o dia na rua”, disse ela algemada em um canto da delegacia de Itaporanga para onde foi levada pela PM no final da manhã dessa quarta-feira, 3.
O motivo da prisão foi um desacato à guarnição policial, mas a causa que levou ao tumulto foi outra: mesmo sendo um direito seu, uma vez que o pátrio poder ainda não foi quebrado, ela está impedida de conviver com um dos seus filhos que está com a avó, e, ao tentar sair com a criança nessa quarta, foi repreendida pelo Conselho Tutelar, que acionou a polícia, gerando a confusão. Contrariada e agressiva, ela terminou detida e foi liberada após assinar Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Para uma jovem que passou a vida toda violentada em seus direitos e tratada como animal pela sociedade e pelas instituições, não se pode esperar uma outra reação que não seja a agressividade. Tentar “proteger” a criança e desprezar a mãe, quebrando definitivamente o vínculo familiar, contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Qualquer mãe fazia o mesmo que eu fiz pelo seu filho”, gritou ela em resposta a um policial. A primeira criança dela está com uma prima e a outra com a avó.
Em casos como este, a lei assegura que o Conselho Tutelar e os órgãos de defesa social requeiram à Prefeitura ajuda psicológica e material para a família, a exemplo de aluguel social para a mãe e apoio nutricional, mas, em vez de ajudar, estas instituições, em muitos casos, fazem é criminalizar a mulher, castigando ainda mais a mãe e os filhos com a separação familiar. Tentam sempre resolver problema social com polícia.
A Prefeitura de Boa Ventura, que gastou milhares de reais na farra do aniversário da cidade, ignora situações como a da jovem Ana Clara, uma das muitas vítimas de um sistema perverso e que atesta a desmoralização e a falência das instituições públicas perante à própria lei. Diante desses fatos, a fundação humanitária José Francisco de Sousa requer, publicamente, do poder executivo boaventurense, que é chefiado por uma mulher, para ter mais atenção para com essa jovem, porque é uma obrigação legal do município e um direito humano da adolescente.
Publicado no Folha do Vale em 04-12-2014
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