terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Ainda algumas lembranças


Laura Pereira

Há quem afirme que lembrar o passado é sofrer duas vezes. Esse autor desconhecido certamente foi despido de boas lembranças, pois acredito que, mesmo para quem não teve uma infância muito boa ou uma juventude despreocupada, certamente entre suas angústias ou anseios, algumas memórias boas restaram. Seja de alguma música, comida, perfume ou mesmo de alguma brincadeira de infância que o fez feliz naquele momento. Como, para algumas pessoas, essas lembranças são escassas, as memórias ruins acabam por anuviar o que sobrou de bom em suas lembranças e elas desistem de lembrar o passado.

Agora, neste momento, eu convido você a lembrar de algum fato que o/a fez feliz no passado e que lhe provocou boas sensações. Lançado o desafio, fica por conta de cada um fechar os olhos e invocar os pensamentos mais singelos que fizeram parte de sua vida. Tente lembrá-los, afastando as lembranças que porventura não te fizeram bem e salvando as memórias boas. Vou dar um exemplo de como isso pode acontecer.

Certa vez, me sentido angustiada sem motivo aparente, resolvi substituir pensamentos avulsos por lembranças guardadas, salvas na minha memória. Aos pouquinhos e, bem ao longe, escutei o eco de uma antiga canção, ele vinha de uma noite vivida na cidade de Itaporanga, mais precisamente na Avenida Getúlio Vargas. Era uma noite alegre, apesar da canção melancólica. De repente, ouve-se uma voz grave: “Atenção, muita atenção …fulano de tal… perca cinco minutos do seu precioso tempo para escutar essa música que… lhe oferece de coração.

A voz era do locutor do parque, que antigamente ficava instalado na rua principal da cidade, a Getúlio Vargas. Era lá que os jovens de Itaporanga iam para se divertir, conversar e arriscar umas voltinhas na velha roda-gigante, tão velha que rangia a cada movimento e botava medo em algumas pessoas, inclusive em mim. Mas quando eu estava lá, bem no alto e via a cidade iluminada de cima, isso me fazia imaginar voando e um misto de medo e prazer me fazia sorrir e temer as alturas( lá em cima era frio).

Certa vez, acompanhada de uma amiga que fingia paquerar o rapaz (responsável pela roda-gigante), conseguimos umas “rodadas” extras… como era labiosa a minha amiga… o rapaz, que era bem feinho e “zarolho”, realmente acreditou e quase não saímos mais, sendo preciso que eu pedisse para parar.

Tinha também as canoas, mas eram bem diferentes dessas de hoje. Eram canoas que só cabiam duas pesoas e lembravam o carro da familia Flintstones. Enquanto o pessoal do desenho animado usava os pés para movimentar o carro, nós usávamos os braços para balançar a canoa… e haja força, mas era muito divertido, divertido mesmo.

O carrossel não tinha aqueles cavalinhos coloridos e bonitinhos de hoje, era composto de cadeiras que rodopiavam, rodopiavam e a gente tinha que se segurar bem para não sermos lançados cadeira afora. Mas o engraçado mesmo era o repertório da cabine de som. Era lá que os amantes traídos ou mordidos de ciúmes se vingavam de suas amadas. Vez por outra ouvia-se: “Atenção, muito atenção… perca cinco minutos do seu precioso tempo para escutar a música… “Agora vá pra cadeia, porque o mundo é moderno… já que não te quero mais, vá morar com o satanás, lá nas grades do inferno…” Essa música “bombava” na época, era primeiríssimo lugar nas paradas de sucesso do parque, ficava no topo das “Dez mais”.

Muitas estória se ouviam de declarações de amor via áudio, mensagens, encontros… Um caso interessante foi de uma garota que queria terminar o namoro e não sabia como, pois tinha pena do rapaz. Ela teve uma ideia que a livrou de vez do pobre coitado: pediu que alguém oferecesse uma música de amor para ele (seu namorado) e fingiu ciúme indignação com “esse alguém” que dedicava a música ao seu amor. Não deu outra, o namoro acabou e ela perdeu a chance de ser sincera, verdadeira.

Outra vez ofereceram a música topo nas paradas de sucesso “Agora vá pra cadeia”, para o prefeito da cidade e se não fosse um jornalista decente avisar que aquela pessoa era o prefeito, o locutor teria oferecido a música sem o saber… ele acabou agradecendo e colocou o nome do prefeito num papelzinho para não esquecer, pois aquele nome era muito solicitado para esse tipo de música.

E entre baladas, músicas de época e música pop, o parque, com o som ruidoso e rouco, fazia a alegria do pessoal “Longe de você, já não havia mais motivos pra viver…”(Jane e Herondi), “Filhos de Gandhi, badauê, Ilê, alê…(Clara Nunes) “Menina veneno o mundo é pequeno demais pra nós dois…” (Richie) Eu me lembro que pedia dinheiro para o meu pai, pra “rodar” na roda-gigante, e muitas vezes ia era para a boate Morumbi, dançar Lionel Rtchie, Chicago e Cindi Lauper… mas essa história eu já contei…

Pois é, pessoal, não dá pra viver só de recordações, quem as vive intensamente, perde noção do presente e adormece num mundo que já passou, num mundo fantástico que só habita a nossa memória. No entanto, certa vez li num artigo de um terapeuta que lembrar a infância, quando feliz, ajuda a curar muitas feridas do presente… já tem gente trabalhando suas atuais dificuldades relembrando bons momentos do passado, é fato.

Se não fosse as lembranças de nossa infância, as brincadeiras,as cantigas, o cheirinho de bolo e café fresco, as idas à escola, as noites mal-assombradas da nossa imaginação… não fosse a lembrança daquele professor que deixou saudade, daquele amigo chato, do animalzinho de estimação, a vida não teria o mesmo prazer, para mim seria insuportável.

O interessante é que o que estou escrevendo logo será passado e mais tarde sentirei saudade desse tempo. Então, para finalizar, eu digo que relembrar o passado “parece com não morrer”, como já dizia a velha música “…é igual a não se esquecer que a vida aqui tem razão”.

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