Uma Explicação
Quando da inauguração da Biblioteca Municipal “Paulo Correia da Silva” na gestão do Prefeito Sr. Sinval Pinto Brandão e a Pedido da Srª. Pulqueria Pinto, eu escrevi sobre a vida deste jovem e sua luta constante entre e com os menos favorecidos pela Paz e a Justiça Social.
Esses escritos, entretanto, sofreram um descaminho. Em uma das minhas idas a cidade de Itaporanga, visitai a Biblioteca e não mais os encontrei. Perguntei. O rapaz que me atendeu não me conheceu, nem eu a ele. Falou-me que as pessoas querem saber quem foi PAULO CORREIA DA SILVA. Encontrei-me com Dodoido um ex-aluno meu. Falou da Biografia. Prometi-lhe que faria. Passou o tempo. Hoje insistem da Itaporanga, por intermédio da minha irmã -Aveni- a do Paulo Conserva para que eu a faça. Há urgência no pedido. E aqui estou eu, tentando juntar os fragmentos. Dentro do memorial da mente, PAULO continua vivo. Juntando pedaços daqui, dali, retalhos de infância e juventude, tentarei dizer, em palavras, o que Paulo fez, disse e viveu, o que fui capaz de captar no convívio com esta grande pessoa humana que foi o PAULO CORREIA DA SILVA - o meu irmão de tão saudosa memória.
QUEM
“Não há melhor resposta que o espetáculo da vida. Vê-la surgir como há pouco em nova flor explodida"
Com esses versos, extraídos da “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto, poema do qual Paulo tanto gostava, vamos “desfiar seu fio que assim se chama vida” Nasceu Paulo Correia da Silva a 28 de fevereiro de 1941, na fazenda Barracão, município de Itaporanga - PB. Esse detalhe é curioso, rico em brincadeiras de infância, pois “foi tudo por conta das águas de um riacho” que eu e ele nascemos no município de Itaporanga. Explico. A fazenda do pai ficava parte no município de Itaporanga, parte no município de Boa Ventura, cortada ao meio pelas águas do riacho. Paulo e eu nascemos do “outro lado”, justamente a parte que ficava no município de Itaporanga. Paulo era o 7º filho da uma prole de 11, dos quais, apenas 04 sobreviveram. Esse fato era motivo da brincadeira. “Sete 'conta de mentiroso”. “Você não existe” e outras joças desse tipo. E ha um detalhe curioso. Era o 3º filho com o nome de Paulo. Resultado: Acabou sendo o mais velho, o primogênito, o único filho de José Correia da Silva e Maria Correia da Silva. Batizado na Igreja de Itaporanga, foram seus padrinhos: José Rodrigues e Maria Alaíde (pais de D. Laquimê). E seu padrinho de Crisma o Dr. . Balduíno Minervino de Carvalho.
Em 1949 seu pais passaram a residir em Itaporanga, precisamente na Av. Getúlio Vargas nº 174, onde ainda resida sua irmã casada, Aveni com seus sobrinhos. Nessa época, Paulo desfrutava da companhia de mais duas irmãs. Maria e Avani. Só posteriormente nasceria a sua terceira mana: Rita que integraria a família de José e Maria Correia da Silva.
Alfabetizado pelo próprio tio na fazenda, chegando em Itaporanga ingressou na Escola de D. Mariquita, no alto do Retiro. Foi a sua primeira escola. Sua professora, D. Maroquinha Leite. Em 1950, fomos estudar no Colégio Padre Diniz, que acabava da ser fundado, dirigido pelas Irmãs Missionárias Carmelita.
Quero lembrar que as datas, a partir da então, serão mais ou manos aproximadas. Não as tenho com exatidão. E a minha mãe, a quem poderia recorrer no momento, está em Itaporanga. Sua saúde debilitada impede-me de consulta-la. Quero poupá-la.
Criado e educado em meios cristãos, ao nove anos Paulo era coroinha da Igreja e, para satisfação de nossos pais, alimentava o ideal de ser padre. Em suas horas vagas, brincava de dizer missa com Paulo Conserva. Estudioso, inteligente, sempre conquistou os primeiros lugares. Gostava de ler, de ouvir estórias, o que lhe valeu o apelido de “as pupilas do senhor reitor” que lhe atribuiu D. Maroquinha. Contou-me a citada professora que os outros alunos se ressentiam com o fato dela dar mais atenção a mim e ao Paulo que a eles; ao que ela lhes respondia: - “elas são mais estudiosos, mais interessados, são os meus pupilos, são “as pupilas do senhor reitor”.
Em 1953 estudou no Pré-Serninário de Patos. Em 1955, passou a estudar no Seminário de Cajazeiras. Após 1960, mudou-se para o Seminário Arquidiocesano de Olinda e Recife. Crescia a sua vocação, bem como a sua legião de amigos e compatriotas.
A palavra adequada á entusiasmo. Paulo vivia entusiasmado com a ideia de ser padre. Seu empenho e dedicação à causa do sacerdócio eram cada vez mais intensos. Quando chegava de férias do Seminário, auxiliava o vigário da paróquia, o Padre José Sinfrônio, juntamente com outros colegas, nunca manifestando cansaço ou desinteresse. Sua ajuda no Centenário da paróquia de Nossa Senhora da Conceição (de quem era devoto), no ano de 1960, foi valiosa, despertando a cidade com suas crônicas. Lembro que as vésperas do dia 08 de dezembro - dia da Padroeira - faltou partículas. E Paulo se dispôs a viajar até a cidade de Cajazeiras, durante a noite, para tal fim, retornando ao amanhecer. Jamais vislumbrei em seu semblante qualquer sombra de desgosto e desânimo.
Gostava de passar as ferias na fazenda. O ar do campo lhe fazia um bem imenso. Desintoxicava-se de poluição de cidade grande. E quem quisesse encontrá-lo, afora os sábados e domingos, não o encontrava na cidade, mas curtindo o ar puro do campo, cuidando de gado, entre camponeses; com toda a família- era seu retiro predileto.
Gostava de música, de colecionar selos, de ler. Entre os seus autores preferidos, destaque para: José Américo de Almeida, João Cabral de Malo Neto, Graci1iano Remos, Gilberto Freire, Antoine de Saint Exupéry e Jean Paul de Sartre. Na música destaque: "Disparada”, e “pra não dizer que não falei desflores”. Além da língua Pátria, falava fluentemente o latim, o francês e o espanhol. Toda a sua correspondência, livros e escritos nesses idiomas eu os doei a ACREI.
Quando do Golpe militar de 1964, preocupou-se com a situação do amigo, Paulo Conserva que se encontrava na marinha do Rio de Janeiro e era grande o comentário de que ele liderara estudantes e estava sendo apontado como um dos responsáveis pelo levante estudantil no Rio. Comentava “Jamais se resolverá coisa alguma pela força”. “São os políticos que mandam”. “Será que Paulo sabe aonde isso o levará?” Em outra ocasião, pelos idos de 1967, sabedor do exílio do amigo, afirmava: “Creio que não verei mais o Paulo. Se, por ventura, o Conserva aparecer, diga-lhe que eu torci e rezei por ele. Muito”. Sempre nas suas idas a Itaporanga, visitava o César. Lembro-me que última dessas visitas eu estava em sua companhia. Queria saber notícias do seu co-irmão. Morreu sem que elas chegassem as suas mãos.
Além do desejo de ser padre, Paulo Correia foi um apaixonado pelas lutas sociais. Doía-lhe muito a opressão do mais fraco. Ainda seminarista se engajou no movimento de evangelização e conscientização do homem do campo, ingressando na Ação Católica Rural - ACR. Entusiasmava-o a luta dos camponesas da região da cana de açúcar. A luta pela Justiça como condição de paz. E se propôs a trabalhar por uma educação de adultos libertadora, adulta, responsável.
Essa luta o empolgava. E em 1965 decidiu afastar-se do Seminário, comunicando esta decisão, em carta dirigida à família e ao padre José Sinfrônio. Dizia estar consciente que Deus encarregava-o de outra missão maior, mais árdua, menos camada: a de construir, com os camponeses, a Igreja viva de Cristo no Campo,. Dedicou-se a Pastoral do Nordeste II e foi o 1º Responsél pelo movimento da ACR no Nordeste.
Nessa ínterim, Paulo não parou de estudar. Tão logo saiu do Seminário fez vestibular na Universidade Católica para Sociologia. Era vidrado em Sociologia. Foi por seu intermédio que adquiri o livro de Gilberto Freire: “Casa grande e Senzala”. Seria Paulo o 1º' sociólogo da região, uma vez que não contamos s com cursos de Sociologia a nível universitário, mas com curses da Ciências Sociais. O que não é a mesma coisa.
Trabalhando com Dom Hélder Câmara, Dom José Lamartine ao padre José Servat - um padre francês radicado no Brasil - Paulo se identificava a tal ponto com o trabalho, que este e os estudos lha consumiam o tempo e ele, raramente, vinha passar férias em Itaporanga. As férias dele obedeciam a calendário de viagens e encontros a serviço da Pastoral do Nordeste II. Nessa época, residia no Recife, no mesmo prédio onde funcionaram os trabalhos da Pastoral, na Rua de Giriquiti nº 48.
A enfermidade de nosso pai colocou-o mais próximo de nós e os nossos encontros esporádicos se restringiam a cidade de João Pessoa. Nesse período, morre o pai do padre Servat e este viajou a França para os funerais, fato que requereu maior desdobramento de Paulo nos trabalhos, assumindo a coordenação da Pastoral Rural do NE II. Passava grande parte do tempo viajando, ora assistindo as comunidades rurais, ora participando de encontros onde era solicitado.
Em janeiro de 1968 recebe uma bolsa de estudos para especializar-se na Europa, precisamente na França - Paris, com duração de nove mesas. Diante da seriedade do convite e sabedor da saúde já abalada de pai, solicita opinião dele. Como pai achasse o tempo longo a Paris longe para ficar tão distante do único filho e tão querido, ponderou o convite, questionou, deixando a decisão nas mãos do Paulo. E Paulo passou a concessão da bolsa para um seu amigo e colega de trabalho: João Renor.
Em 10 de junho da 1968, a morte de pai surpreende Paulo de malas prontas para um encontro de Pastorais em São Paulo. Daí para cá, seu tempo precisou ficar rigidamente cronometrado. Não podia descuidar-se dos compromissos assumidos com a Pastoral Rural, agora com trabalhos acrescidos de compilações e publicação do jornal “Grito no Nordeste”. Precisava dar assistência a família, aos negócios da fazenda, mesmo com a presença do administrador, o Sr. José Leite, Paulo vinha a Itaporanga de 15 em 15 dias, mais precisamente em fins de semana. Estava no 3º ano de Faculdade. Por conta desse cortejo de ocupações, trancou duas cadeiras na Faculdade, dando dando tempo, dizia, a que as coisas entrassem nos eixos.
A última vez que nos encontramos foi no dia 28 de setembro de 1968. Era época de safra. E ele veio conversar com o Sr. Be1miro Pinto a esse respeito, uma vez que estava de viagem marcada para um encontro da ACR, no Rio de Janeiro, em início de outubro, fato que retardaria os negócios que o mau pai mantinha. O Sr. Belmiro Pinto tranquilizou-o. Quando voltasse tratariam do assunto. Nesse período, conversamos muito. Estava radiante com o trabalho junto aos camponeses. A semente estava lançada. falou-me das perseguições ocultas, veladas. No campo, na cidade. Perseguição ao próprio D. Hélder e aos que seguiam as suas diretrizes. E foi tanta que D. Hélder clamava: “se é a mim que procuram, por que perseguem os meus seguidoras? Eu estava apavorada. Falai ao Paulo dos meus receios. Ele me assegurou que nada havia a temer. E acrescentou citando o Evangelho: “Quem ao empunhar o arado olhar para trás, não é digno do Reino de Deus”. Não podia contra argumentar. Ele me vencera.
No dia 03 de outubro do mesmo ano, ele endereçou um bilhete a mãe, em cartão postal, avisando que chegaria ao Recife no dia 10 e logo no dia 12 estaria em Itaporanga para uma semana conosco e “matar as saudade”.
COMO – ONDE “Faz escuro, mas eu canto porquê o amanhâ vai chegar -
É tampo de trigo maduro, já é tampo de ceifar”. NA
Esperamos o Paulo no dia 12 de outubro e nada. Nem notícias. Essa espera nos deixou ansiosas, preocupados. Era tempo da safra. E o Paulo que não chegava: Para nossa surpresa, desapontamento e muita dor, dor mesmo, ele chegou, trazido por colegas, na tarde do dia 13 de outubro, morto, Tarde de domingo. Sofrera um acidente na estrada que liga Sairé a Bezerros – PE, o que lhe ocasionou choque traumático e tinha fratura na base do crânio. A morte o colhia enquanto construía a Igreja viva no campo, após três meses, apenas, da morte de pai. Não quero falar deste desenlace trágico, porque já o fiz antes, em um MEMORIAL por solicitação da Pastoral do Nordeste II e publicado no “Grito no Nordeste”.
Três meses após a morte do Paulo, a convite do Padre José Servat, fui ao Recife visitar o local da tragédia. Até essa época, ninguém havia visitado o local. Aguardavam alguém da família. Pairavam dúvidas no ar. Mas eu não as tinha. Nem a minha família.
Conversei com o padre Rogério, vigário de Bezerros, que dirigia o jeep no dia do acidente. Elo estava querendo começar o trabalho em Sairé, cidade do interior de Pernambuco que Paulo não chegou a conhecer. Mas por ironia da morte, ou destino, o meu encontro com o padre só deu em Sairé. Visitei, ainda, um dos colegas de Paulo, o Sr. João Jacinto, em sua fazenda da, no município de Gravatá. Foi, deveras, emocionante, o encontro.
Ainda hoje pairam versões e indagações a respeito do acidente. Uns dizem que foi provocado. Outros, que foi provocado e premeditado. Eu, minha mãe, minhas irmãs, acreditamos ter sido desígnios da Providência Divina. Deus, Causa Primeira e Última de todas as coisas que existem, sabe por quê a como. Só Ela é Dono. Nó somos, apenas, administradores do maior dom que Ela nos deu, a VIDA. Só Ele tem o direito de apagar
a chama que Ela próprio acendeu. Foi assim com o José, foi assim com o Paulo. Foi isso o que aconteceu. PAULO CORREIA DA SILVA cumpriu a missão que lha foi confiada. Tinha, apenas, 27 anos de idade.
No décimo aniversário de sua morta – 1978 - o Jornal “Grito do Nordeste”, comemorando a mortte de PAULO CORREIA, estampou em sua capa a imagem do acidente, enriquecida de palavras que traduzem a sua mensagem de fé, confiança e coragem, bem como publicou uma entrevista com um dos sobreviventes do acidente que visitei há anos, o Sr. João Jacinto, Passo a Biblioteca Municipal “PAULO CORREIA DA SILVA, xérox desse Jornal. A Nova
Geração precisa deste testemunho.
Termino esse trabalho com as palavras de João Cabral da Melo Neto, Itaporanga: “Não sabeis que vosso filho saltou para dentro da VIDA”
João Pessoa, 18.02.89
20 anos após a morte de Paulo Correia
Maria Correia Filha - irmã do Paulo
OBS. Este trabalho foi feito com exclusividade para a Biblioteca Municipal “PAULO CORREIA DA SILVA”, por ocasião das festividades que estão sendo programadas pala passagem do seu aniversário natalício: 28 de fevereiro de 1989.
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A Biblioteca Municipal foi despejada do prédio onde funcionava pela prefeita Kátia Lúcia Fonseca Pinto Brasileiro, para dar lugar, em comodato, a agência do Banco do Brasil; voltando a funcionar na sede da secretaria de educação e cultura do município, situada na Avenida Padre Lourenço, vizinho onde fica hoje, o 13] Batalhão de Polícia Militar.
O prefeito Antônio Porcino, com o pretexto de ampliar a sala onde ficaria o Laboratório de Informática da Universidade Aberta do Brasil UAB, que posteriormente ficou funcionado no grupo escolar onde ficava a secretaria de educação; diminuiu consideravelmente os espaço da biblioteca e tratou o seu acervo com o maior descaso.
Quando o prefeito Djaci Brasileiro ganhou a eleição em outubro de 2008, a biblioteca foi desativada e em 2009, os livros foram levados para uma sala da prefeitura municipal, onde se encontram até hoje, desprezados e amontoados, servindo de repasto as traças e cupins.
“Pela grossura da camada de pó que cobre a lombada dos livros de uma biblioteca pública pode medir-se a cultura de um povo.”
John Steinbeck
Pois é, este foi o triste fim, que nossos governantes deram a uma biblioteca e memória de um conterrâneo que lhe emprestará o nome. Um povo sem memória é um povo sem cultura. Ou seria o contrário?
Paulo Rainério Brasilino
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