sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Misericórdia / Itaporanga - O QUINTO LIVRO - Bosco Gaspar

O QUINTO LIVRO


Gente da minha gente


De como um punhado de homens e mulheres, sacerdotes, fazendeiros, mais ricos, menos ricos, igualmente ilustres e populares, nativos e adotados, ajudaram a formatar a história de Itaporanga, dando com o exemplo de suas vidas, com o brilho de suas existências, um colorido todo especial à história de nossa Misericórdia.

Padre Zé, o construtor de monumentos

Outro dia, o orgulho e a vaidade do povo de Itaporanga andaram em alta. Afinal, não é sempre que uma pequena cidade dos sertões do Nordeste é mostrada e exaltada pela Rede Globo de Televisão. Foi num sábado, em horário nobre, durante o Jornal Nacional. A cidade e o seu povo, no Vale e alhures, descasavam preguiçosos esperando o domingo chegar. De repente, na telinha, o Cristo, as igrejas, os colégios, o hospital, as ruas, os habitantes do lugar, a barragem e o açude. De repente, como um passe de mágica, lá estava o nosso Padre Zé de corpo inteiro falando de sua vida e da solidariedade dos itaporanguenses. 

Era sábado, noite de festa e de repouso para muitos, quando aconteceu a consagração de Itaporanga. Por quase cinco minutos a cidade desfilou suas belezas e seus equipamentos que chegaram à telinha no país inteiro, primeiro pela televisão aberta, depois, pela Globo News, para os seus assinantes do Brasil, dos Estados Unidos e do Japão. A TV mostrou e a repórter fez questão de destacar o espírito de união que norteia a vida e os caminhos do povo de Itaporanga. 

Padre Zé falou para o Brasil de um sonho que teve. Sonhou com uma cidade pacata, sem brigas familiares, sem os rigores da seca. Pediu, chuva e paz. Prometeu ao Senhor a imagem de um Cristo, em pedra, cal e cimento, de braços abertos abençoando e abraçando a população sofrida de Itaporanga, do sertão do Piancó. A estátua foi feita porque o milagre aconteceu. Foi erguida no local que ele escolheu, ainda no ano de 53, para materializar o seu sonho: a Serra do Cantinho, uma propriedade de muitos donos, logo na entrada da cidade. 


O Cristo de Padre Zé, construído com o dinheiro do povo e com uma ou outra participação oficial, foi inaugurado no dia 26 de novembro de 2000, data consagrada ao Cristo Rei, quando a Igreja Católica celebrou os dois mil anos de nascimento de Jesus de Nazaré. Naquela oportunidade, o mundo cristão esteve com suas vistas voltadas para Itaporanga. Naquele momento foi entregue a comunidade católica paraibana aquela que é a terceira maior estátua do mundo, e a segunda do Brasil. 

O espírito de corpo do povo itaporanguense também foi mostrado e reverenciado com a exibição de imagens dos colégios Dom João da Mata e do Padre Diniz, construídos com o dinheiro dos habitantes de Itaporanga e da velha Misericórdia que também patrocinaram a construção de todas as Igrejas existentes da região e que, ainda recentemente, ajudou a ampliar a matriz de Nossa Senhora da Conceição e patrocinou a reconstrução da Igreja do Rosário, derrubada pelas chuvas. 

Foi num sábado que Itaporanga tornou-se outra. A partir daquele momento a nossa cidade incluiu-se entre aquelas de relevo histórico e importância nacional. Afinal não é qualquer uma que aparece, em ritmo de exaltação, na telinha da Globo. Poucas também são aquelas que possuem alguém com a ousadia e a determinação do monsenhor José Sinfrônio de Assis. Poucas, pouquíssimas são aquelas que se destacam pelos seus monumentos religiosos, e Itaporanga teve a petulância de repetir o feito do Rio de Janeiro e construir algo de extraordinário em louvor a Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Ao nosso monsenhor José Sinfrônio de Assis devemos mais este feito pelo engrandecimento de Itaporanga. Se não fosse por ele, se não acontecesse o Cristo, Itaporanga, por certo, continuaria sendo um lugar morno, uma cidade como outras tantas do interior brasileiro. Antes ele havia nos dado a ampliação da matriz, a construção do colégio Dom João da Mata e a recuperação da Igreja do Rosário. Agora, com o Cristo, ele dá a Itaporanga um passaporte para o mundo, oferecendo-lhe o reconhecimento de todos, a admiração de muitos por ostentar em seu território um dos mais importantes pontos de atração do turismo religioso do pais. 

No ano primeiro do terceiro milênio, Padre Zé foi mais uma vez o centro dos acontecimentos em Itaporanga. É que a cidade parou para comemorar os 50 anos de sua ordenação sacerdotal. Nascido no sitio Barroso, no município de Cajazeiras, no dia 24 de maio de 1924, ordenou-se no dia primeiro de novembro de 1951, na Basílica de Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa. Ele assumiu a paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Itaporanga, no dia 04 de março de 1954, substituindo o cônego Luiz Gualberto, designado para servir na Diocese de Cajazeiras. Desde aquela época o nosso Padre Zé não saiu mais de Itaporanga, onde tornou-se o responsável pelos grandes empreendimentos do município. Ele é o que se pode chamar de o “construtor de monumentos”. E por tudo que já fez ao longo dos seus 50 anos de sacerdócio, o padre José recebeu, recentemente, das mãos do bispo Dom Matias, o titulo de Monsenhor que lhe foi outorgado pelo papa João Paulo II, num reconhecimento ao seu trabalho em favor da Igreja Católica, no sertão do Piancó. 

João Silvino da Fonseca

Inteligente, bem humorado e sempre com uma resposta ou uma afirmativa prontas para qualquer ocasião, João Silvino da Fonseca nasceu no dia 22 de novembro de 1899, na Várzea de Saco, filho de Silvino Soares dos Santos e Ana Silvino da Fonseca, descendentes diretos dos fundadores de Misericórdia. Ainda criança veio morar na cidade a fim de freqüentar a escola do professor Manoel Diniz. Igualmente jovem passou a dedicar-se às atividades comerciais chegando a ser um dos maiores comerciantes de combustíveis e do ramo de estivas do Vale do Piancó. 

João Silvino foi também ao longo de sua vida um homem que esteve sempre presente aos grandes acontecimentos em defesa de Itaporanga, pelo engrandecimento da cidade e melhores oportunidades para a sua gente. Foi assim em 1930, quando de arma na mão, defendendo os ideais da Aliança Liberal do presidente João Pessoa, repeliu o ataque perrepista dos homens de coronel José Pereira, comandados por Pitó Arruda e Manuel Paulino, que queriam incorporar Misericórdia aos domínios da política de Princesa, ocupando o poder politico-administrativo do município, já naquela oportunidade de grande importância em todo o sertão paraibano, pela sua economia e a sua privilegiada posição geográfica. Houve uma luta aguerrida, mas a Coluna Perrepista foi contida e teve que recuar para além das fronteiras da cidade. 

Depois da II Guerra Mundial, quando a cidade decidiu construir uma escola para a formação de professores, movimento originalmente integrando por Balduino de Carvalho, Manoel Inácio, Luiz Guimarães e José Sitônio de Lima, João Silvino estava presente lutando pelo sucesso do empreendimento, que resultou vitorioso, com a conclusão da obra e a formatura de sua primeira turma de professoras em 1949. Naquela ocasião o colégio, que recebeu a denominação de “Escola Normal Padre Diniz”, tornou-se o primeiro educandário secundarista do Vale do Piancó, cuja administração foi entregue a madre Bernadete de Jesus, da Ordem Carmelita, que educou várias gerações de Itaporanga e do Vale do Piancó. 

João Silvino casou-se com Adalgisa Teódulo da Fonseca, descendente das famílias Fonseca, Soares e Rodrigues, de origens espanhola e portuguesa, de cuja união nasceram Teogeni, Francinete, Ivete, José e Raimundo. Teogeni é professora e foi casada com o jornalista José Soares Madruga, já falecido, que foi deputado estadual, secretário de Estado e Governador da Paraíba; Francinete é professora e servidora da Justiça. Foi casada com Francisco de Assis Pinto, também falecido, e que foi pecuarista e industrial no Maranhão. Ivete é Tabeliã Pública da Comarca de Itaporanga, e casada com José Moacir Pinto, proprietário de terras, pecuarista, ex-prefeito e ex-secretário de Obras do município de Itaporanga. José Silvino é engenheiro, professor universitário, secretário da Prefeitura de Campina Grande e de Planejamento, Transportes e Recursos Hídricos do Estado. Já foi prefeito de Itaporanga. É casado com Regina Sônia Lima Silvino, socióloga e professora secundarista. Raimundo é engenheiro do DNER e casado com Francinete Pinto, servidora pública. 

Autodidata, João Silvino da Fonseca esteve sempre as voltas com os livros e gostava de conversar sobre literatura com os mais jovens, principalmente com os estudantes quando estes chegavam a cidade nos período de férias. Dispunha de uma boa biblioteca e os seus autores preferidos eram José de Alencar, Euclides da Cunha, Castro Alves, Augusto dos Anjos, padre A. Pereira, Pompilo Diniz, Celso Mariz, José Lins do Rego e José Américo de Almeida. Homem simples, mas determinado, João Silvino foi um lutador, um homem que, mesmo fora do poder, sempre procurou ajudar a todos, sempre procurou ouvir e compreender as pessoas que precisavam do seu apoio. Nos últimos anos de sua vida dedicou-se a criação de gado, plantação de algodão e a uma pequena industria de beneficiamento de arroz e café. Faleceu no dia 29 de novembro de 1991, em Itaporanga, onde está sepultado. 

José Silvino da Fonseca

Não são apenas os detentores do poder que promovem o desenvolvimento de uma comunidade, o bem estar de um povo. Muitas pessoas agindo nos bastidores tem oferecido contribuições valiosas ao progresso de Itaporanga, desde que a cidade se chamava Misericórdia, ainda no inicio do século. Nesta época, exatamente no dia 24 de junho de 1903, nascia na Várzea do Saco, um desses homens. Seu nome: José Silvino da Fonseca, filho de Silvino Soares dos Santos e Ana Silvino da Fonseca. Zú Silvino, como tornou-se conhecido, foi um homem inteiramente voltado para a vida comunitária, presente em todos os acontecimentos da cidade, seja no campo político, na administração, nos meios jurídicos, sociais, ou como uma pessoa de vasto conhecimento, como autodidata em que se transformou ao longo dos anos de muita leitura. 

O curso primário Zú Silvino fez na Escola de Professor Francelino de Alencar Neves, que foi a base de todo o seu conhecimento. Na juventude trabalhou no campo, ajudando a família em suas atividades agrícolas e pecuárias. E com pouco mais de 20 anos foi Agente de Estatística em Itaporanga e secretário da Prefeitura na administração de Brunet Ramalho. Foi ainda comerciante de tecidos até que se tornou Tabelião Público e Escrivão do Primeiro Oficio da Comarca de Itaporanga até quando se aposentou com dezenas de anos de serviços a Justiça de sua terra. 

José Silvino da Fonseca foi uma cativante personalidade que se caracterizava pela honradez e firmeza de caráter. Além desses atributos era dotado de uma inteligência brilhante. Gostava de escrever versos, especialmente em forma de glosa. Chegou a publicar um livro de poesias, que agradou a todos. Na época de estudante editava um jornalzinho que era distribuído com os colegas. Pela sua inteligência e pelo seu contato permanente com juizes, promotores e advogados, Zú Silvino, enquanto viveu em Itaporanga, tornou-se uma espécie de consultor jurídico da cidade. 

Dotado de um espírito sensível, tratava com atenção e carinho as pessoas que o procuravam a qualquer hora na busca de soluções para inúmeros problemas, especialmente relacionados com a sua atividade profissional. E pelo muito que fez, Zú Silvino, que faleceu no dia 19 de maio de 1990, em João Pessoa, deixou um exemplo de dignidade que precisa ser conhecido pela juventude e demais pessoas que com ele conviveram e pelas gerações futuras, como representante de uma época da maior importância para Itaporanga. O corpo de Zú Silvino está sepultado no Cemitério “Mãe de Misericórdia”, na cidade que o viu nascer. Ele era casado com Ana Gomes Silvino, de cujo enlace nasceram Maria Bernadete, Maria da Paz e Maria Natividade Gomes Silvino. 

Antônio Benedito de Oliveira

Era o dia 24 de abril de 1992 quando os filhos de Itaporanga reuniram-se num ambiente festivo para homenagear o maestro Antônio Benedito de Oliveira, um dos maiores músicos e um compositor de rara sensibilidade, autor de muitos “choros", “dobrados” e “frevos”, dos melhores que a Paraíba já produziu em todos os tempos, do litoral ao sertão. 

Nascido em Itaporanga, em fevereiro de 1932, faleceu em sua cidade natal, em abril de 1966, com 34 anos de idade. Filho de Pedro Benedito de Oliveira e de Otacília Martins de Sá, Antônio chegou ao mundo pela Rua do Açougue Velho, hoje Rua Pedro Pereira de Sousa, na mesma artéria em que está localizado o Atlântida Clube de Itaporanga, que já abrigou festas de branco, de ricos, festa de pretos, de morenos, de gente alegre e festeira como é o nosso povo itaporanguense. 

Apesar de toda a sua vocação, somente aos 15 anos é que Antônio teve o seu primeiro contato com a música, através do major Mozart, um pernambucano que migrou para o sertão da Paraíba indo fixar-se na cidade de Bonito de Santa Fé, onde Antônio Benedito também se encontrava morando há quatro anos em companhia dos seus pais que deixaram Itaporanga para estabelecer comércio naquela cidade. 

Sob a batuta do major Mazart, ele passou a integrar a Banda de Música da Prefeitura Municipal, pelo período de 6 anos, quando passou a ocupar o posto de maestro da banda, substituindo o seu professor e mestre que deixou a cidade, indo formar outros grupos musicais em várias cidades do Estado. Foi assim, então, que Antônio passou a ter os seus primeiros contatos com a regência musical. 

Maestro, já demonstrando grande domínio musical, passou a reger a orquestra do “Clube dos Morenos”, que era presidido pelo seu tio, Antônio Sabido de Oliveira. Tocava nos bailes normais e nas festas carnavalescas. 

No inicio da década de cinquenta, Antônio, pai, mãe e irmãos voltam a residir em Itaporanga. Em 1953, o maestro decide tentar a vida na capital paraibana, e não demorou muito a ingressar na orquestra do maestro Natanael Pereira, passando depois a integrar o “cast” da Rádio Tabajara da Paraíba, a mais famosa orquestra do Estado, naquele momento dirigida pelo maestro Romualdo, e que já tivera Severino Araújo como o seu diretor. 

Apesar de todo sucesso, Antônio Benedito resolve voltar a Itaporanga para, meses depois, atendendo a convite do prefeito Abraão Souza Diniz, responsabilizar-se pela reestruturação da banda da Prefeitura Municipal, um grupo de jovens e experientes músicos que se tornou um marco na história musical do Vale do Piancó, animando festas, fazendo retretas, trazendo a alegria para as ruas de nossa cidade. Aos domingos mudava a fisionomia da cidade, e o seu povo corria para a Avenida Getúlio Vargas para ver a banda passar, com “seu” Abraão e dona Chicolina, de braços dados, à frente do grupo, distribuído acenos e cumprimentos com a gente do lugar. 

Eu mesmo tive a honra de integrar o grupo musical de Antônio Benedito, e, com menos de 10 anos de idade, fiz desfilar os acordes de minha pequena Trompa pelas ruas de minha cidade, ajudando o Tuba a marcar o compasso de nossa afinada e elegante banda musical. Do mesmo grupo faziam parte ainda, entre muitos, Costa, pai de Radegundes e Costinha, e Zito, maestro da Orquestra Manaira de Frevo, líder classista e ex-presidente da Ordem dos Músicos do Brasil, secção da Paraíba. 

Em 1960, Antônio ingressa na banda da Polícia Militar da Paraíba, primeiro como soldado, mas logo depois foi promovido, por concurso, a sargento. Ali revelou-se para todo o Estado como um dos maiores instrumentistas da Paraíba em todos os tempos. Tocava instrumentos de bocal e de palheta. Serviu em João Pessoa e Campina Grande. Boêmio, notígavo, ousou comprometer demais sua saúde e terminou aposentado por debilidade e voltou a Itaporanga para morrer, mas sem antes compôr “Amargurado”, um dos mais bonitos chorinhos feitos em todo o país. 

Antônio Benedito de Oliveira faleceu em ltaporanga, no meio dos seus, entre a sua gente. Deixou Joselina Moreno (Daga) viúva, e com ela um órfão de seis anos, que mais tarde, como o pai, tornou-se um grande músico. Refiro-me a Sandoval Moreno, maestro, trombonista e professor da Universidade Federal da Paraíba, além de integrar a Orquestra Sinfônica do nosso Estado. 

Salomé Pedrosa

Aqui, agora, poderia eu falar sobre as mulheres que povoaram, povoam e deram um sentido a minha vida. Poderia falar de Nequinha, de Fátima Amorim, de Ana Paula. Prefiro, no entanto, falar sobre algumas poucas mulheres de minha terra. Falar de pessoas que ultrapassaram as fronteiras de suas casas, que puseram de lado os preconceitos da época e saíram à luta colocando-se à disposição dos mais necessitados, sacrificando o seu bem estar e o bem estar de sua família em beneficio de toda a comunidade itaporanguense. 

Poderia falar de muitas outras, mas Salomé Pedrosa representa para mim a síntese da bravura, da lealdade e do caráter que sempre nortearam as mulheres de minha terra. Sobre ela conta-se muitas histórias, e ninguém foi mais respeitada e admirada do que ela. Pequenina, rica, sempre elegante, pisando firme do alto dos seus sapatos com alguns centímetros de salto, Salomé, casada com Josué Pedrosa, um misto de financista, industrial e agropecuárista, não dispensava o perfume francês, era figura presente em todos os acontecimentos da cidade. Nos bons e nos tristes, em festas políticas e sociais, casamentos e batizados. Foi madrinha de quase todas as crianças que nasceram na sua época. 

Três histórias que contam sobre ela são bem representativas do seu espírito evoluído e justiceiro. Certa feita, uma prostituta, moradora do baixo meretrício de Itaporanga estava em vias de dá a luz a uma criança, mas na cidade não tinha quem fizesse o parto. Dona Salomé, informada sobre o que estava acontecendo, foi pessoalmente cuidar da meretriz. A cidade assombrou-se com a sua atitude, afinal a zona boêmia era lugar proibido para uma senhora casado. Para ela, no entanto, aquela era apenas uma mulher precisando de ajuda, pouco importando o que ela era e o local onde se encontrava. 

De outra feita, quando da vitória do Movimento Liberal, em 1930, a Policia Militar, estimulada pelos novos donos do poder, saiu à caça prendendo simpatizantes do perrepismo, representado no sertão paraibano pelo coronel José Pereira. Apesar de toda a fúria policial, as prisões não passaram de duas ou três. Todas de pessoas humildes. Dona Salomé soube do que estava acontecendo e, sem papas na língua exigiu a liberação dos presos pobres e a prisão dos perrepistas ricos. A cadeia ficou vazia. Os pobres foram soltos e os mais abastados apontados por ela nunca chegaram às celas. 

Pacifista por natureza, Dona Salomé não interessava o tamanho do perigo desde que fosse para servir ao próximo. Itaporanga sempre cultivou inimizades entre famílias. A maior de todas elas, e que até hoje perdura, envolve os membros do Jenipapo e os Nitão. No auge da querela, a mulher de Chico Nitão estava entre a vida e a morte. Debatia-se há dois dias com as dores de um parto que não se consumia. Era preciso a intervenção de um médico e o único da cidade era Dr. José Gomes, inimigo de sangue dos Nitão. Dona Salomé resolveu intermediar a questão. Foi a Zé Gomes e pediu que ele cumprisse com o seu juramento médico, e este, após algumas ponderações, concordou em atender a paciente desde que o seu marido não estivesse em casa. Feito o acordo, o médico foi até a casa do inimigo e salvou a mulher e o menino que nasceu forte e sadio. Quando Dr. José Gomes deixava a casa de Chico Nitão o encontrou sentado a alguns metros. Nitão quis saber então quanto devia ao médico pelos seus serviços. Zé Gomes respondeu-lhe que ele não lhe devia nada. Foi a última vez que eles se falaram. 

Assim era Dona Salomé: firme, presente, solidaria. Aliás, a disposição pelo bem público é uma das característica das mulheres da família Fonseca. Dona Salomé Pedrosa foi-se, mas o interesse pela política continuou através de Netinha Vieira e Ivete Pinto. Netinha foi prefeita e é uma destacada líder em Ibiara. Ivete aprendeu a formar líderes. Aprendeu com Soares Madruga e ensinou algumas nuanças da política a Djaci Brasileiro e a José Silvino. Não foi prefeita, mas ajudou Kátia Pinto, a sua primogênita, a torna-se a primeira mulher a administrar Itaporanga, papel que ela tem exercido com capacidade ímpar, revelando-se uma autoridade competente e preocupada com a educação, a cultura, a saúde, o progresso da cidade e o desenvolvimento da zona rural do seu município. 
Dona Salomé é, pois, a síntese da altivez de todas as mulheres de minha terra. Um exemplo para os jovens e adultos de Itaporanga. 

Dedé e o seu fole de 8 baixos

Outro dia, numa beira de praia de João Pessoa, eu e outros privilegiados participávamos mudos do show de melodia, de ritmo, de musicalidade que Zé Badú e suas filhas Luciane, Larissa e Lizete produziam. 

A certa altura da brincadeira Fátima Gaspar começou a cantar “eu quis fazer ... aí meu avô ... A maneira em que a harmonia chegava até nós, comecei a me transportar para o passado, para as ruas da minha infância, para a Itaporanga dos anos 50. De repente já não ouvia mais o som de violinos, de flautas, de violão, nem a voz da cantora. O que me chegava eram os acordes de um velho fole de 8 baixos. Era a música de Dedé do Cantinho. 

Ele nasceu Manoel Severino Araújo lá pelos idos de 1908. Casou-se com Maria Soares Araújo, teve nove filhos, quem lhe deram 23 netos e 15 bisnetos. Foi condutor de malas de correspondência entre Misericórdia, Boa Ventura e Diamante. Durante 20 anos caminhou pelos mesmos caminhos transportando as historias de alegria, de tristeza, de dor e de morte. Era o estafeta que levava e que trazia as boas e más notícias, para lá e para cá, do mundo para uns tantos, de muitos para o mundo. 

Boêmio convicto, mulherengo e amante de uma boa cachaça, Dedé conduzia consigo a musicalidade característica do Cantinho, pedaço de terra com o maior número de músicos por metro quadrado, área encravado num pé de serra, perto do Cristo e de Itaporanga, onde ele nasceu, viveu e ensinou o Biu, Vando e Diaquino, três dos seus filhos, que a música ainda é o maior lenitivo para o homem e que ninguém, absolutamente ninguém, fica indiferente a uma boa letra, a uma boa melodia, a um fole dengoso, que faz sorrir ou chorar, para a alegria e o encantamento de todos. 

São João é o grande santo festeiro do Nordeste. Ele é homenageado por todos, no forró de pé de serra, nas latadas de chão batido e de pau a pique; pelas morenas faceiras, de vestido rendado; por damas e cavalheiros, da quadrilha marcada em francês que todos obedecem mesmo sem saber o que as palavras significam. 

Anarrier ... 

E o fole, o triângulo e a zabumba seguem marcando a dança com muita gente pelo salão. Pelo salão não. Com muita gente lotando o terreiro improvisado para as danças nas terras musicais do Cantinho. 

Também em Itaporanga a festa era para São João. Numa noite de fogueira, no entanto, morreu cônego Manuel Firmino e a festa foi adiada. Transferiu-se, pois, a homenagem para São Pedro, como acontecesse até hoje. Mas no Cantinho não foi assim. Festa de cangica, de pamonha, de milho verde assado na fogueira, só é bom na noite de São João, ainda mais ao som ritmado de Dedé, o Severino Araújo do sertão do Piancó, bom de letra, bom de música. Não correu o mundo como o outro, nem regeu a Orquestra Tabajara, a melhor do Brasil. Mas aquele de renome nacional não teve a gloria de nascer no Cantinho, o pedaço de terra mais musical do Brasil, nem tocou nas festas de sábado do cabaré de Rosa de Chico Nitão, nem nas latadas de pé de serra, nem no salões dos grafinos de nossa Itaporanga. Dedé não cruzou o Atlântico nem chegou perto do Pacifico. Mandou em seu lugar os filhos de Zé Badú e Mria José que, vez por outra, vão tocar para o deleite dos sobrinhos de Tio Sam. 

Bom de copo, amante de uma boa cachaça, o pagamento que Dedé recebia era o olho cativante e agradecido de uma morena bonita e suada que há pouco rodopiava no salão, era o aplauso dos seus convivas e dos apaixonadas pela grandiosidade do seu fole de 8 baixos, o mesmo aplauso que me trás de volta para a realidade de agora e me põe de pé para saudar a alegria da música das meninas de Badú que estão encantando a todos nós com a musicalidade do Cantinho, com a harmonia que herdaram de Dedé. 

“Eu quis fazer um som bonito e ritmado que fosse identificado com seu modo de tocar. Mas terminei fazendo um choro tão chorado, me lembrando do passado que não pode mais voltar. Ai meu avô ...” Toca Biu, Vando, Diaquino, toca Zé Badú, Gleidinho, Vanduir, Júnior, toca Luciane, Laryssa e Lizete, canta Fátima, ele merece ... 

Edilma Leite Cavalvanti Olímpio

Maio, o mês de Maria, das noivas, das mães. Maio é um mês alegre, festivo e de muitas homenagens. E é neste clima que reverenciamos uma itaporanguense que se destacou como ninguém em várias etapas de sua vida, seja como jornalista, professora ou integrante do Ministério Público, atividade a que dedicou grande parte de sua existência. 

Era o dia 28 de agosto de 1943 quando ela chegou ao mundo, nascida da união de Edgar Cavalcanti e Maria lraci Leite Cavalcanti. Na pia batismal recebeu o nome de Edilma e ao longo do tempo revelou-se uma pessoa justa, compreensiva, inteligente, honesta, dedicada, preocupada com o bem estar de sua família, boa filha, boa irmã, boa tia, boa sobrinha, boa amiga, boa cunhada, mãe exemplar e esposa solidária, profissional de muitos títulos, muitos méritos e que sempre teve a admiração e o reconhecimento dos seus companheiros do Ministério Público. 

Edilma iiciou os seus estudos lá mesmo em Itaporanga, mas aos 12 anos transferiu-se para João Pessoa, passando a residir com os tios Nair e Francisco Espínola. Cursou o ginásio no Colégio das Lurdinas e o científico no Liceu Paraibano. Fez vestibular para Direito e foi classificada em primeiro lugar. Em 1969, já acadêmica, foi trabalhar no jornal “Correio da Paraíba” como revisora de textos. Foi no velho prédio da Barão do Triunfo onde tive a honra de conhecê-la, admirar a sua inteligência, o seu excelente caráter e a sua dedicação ao trabalho, qualidades, aliás, que herdou dos seus pais. Edgar Cavalcanti foi vereador em Itaporanga, de 54 a 59, quando também chefiou a agência local dos Correios e Telégrafos, função também exercida por sua mãe lraci Leite Cavalcanti, que representou os interesses do Banco do Brasil no Vale do Piancó, antes do BB se instalar naquela região. 

Em 1970, foi professora de Português do Colégio Getúlio Vargas, em João Pessoa, mas no ano seguinte teve que deixar a capital paraibana indo servir como Promotora Pública da Comarca de Itaporanga, já que fora nomeada para o cargo pelo governador João Agripino por indicação do então deputado estadual Jonas Leite Chaves, seu primo e político de influência na vida administrativa do Estado, sendo ela a primeira mulher itaporanguense a ocupar tão relevante cargo. 

Edilma passou 10 anos na Promotoria de Itaporanga, período em que lecionou OSPB no Colégio Padre Diniz e atuou como promotora substituta nas comarcas de Piancó e Conceição. No dia 08 de maio de 1976 casou-se com o economista e agente fiscal Ivan Olímpio de Almeida, hoje prefeito do município de São Bentinho, onde realiza uma administração de alta significação social, sendo que muitas de suas obras foram inspiradas nas idéias de sua esposa, que sempre se revelou uma pessoa de muito bom senso e com grande vocação para o bem público, qualidades que herdou na avó paterna Salomé Pedrosa. Do seu casamento com Ivan nasceram dois filhos: Ivan Olímpio Segundo e Giovana Leite Cavalcanti Olímpio. 

Promovida por merecimento, Edilma foi em 1981 servir na Comarca de Boqueirão, atuando ainda como promotora substituta nas cidades de Sumé, Serra Branca, São João do Cariri e Monteiro. As suas qualidades profissionais e o seu conceito entre os demais integrantes do Ministério determinaram a sua designação para acompanhar as eleições municipais em Sousa, no ano de 82, onde o clima era bastante tenso. 

Também por merecimento, Edilma foi transferida para Campina Grande, sendo logo depois designada como Procuradora Adjunta do Estado, cargo de confiança da administração estadual, muito disputado pela sua categoria, mas foi graças a sua imparcialidade, ao seu senso de justiça e a qualidade dos seus pareceres que ela chegou a tal patamar. 

Edilma Leite Cavalcanti Olímpio, apesar de sua juventude, veio a falecer no dia 26 de janeiro de 1999, vítima de uma doença incurável que a retirou do convívio do marido, dos filhos, dos irmãos com os quais mantinha uma relação quase que maternal, já que, como a mais velha, encarregou-se da formação profissional e moral de todos eles, forjando-os para enfrentar as águias da vida. Ao morrer deixou todos eles, Guilherme, Josué, Ricardo, Carmem Eleonora, Terezinha, Catarina e Norma órfãos pela Segunda vez, como saudosos também ficaram os filhos Ivan e Giovana, e o marido Ivan que perdeu uma grande companheira, que o ajudou a chegar entre os primeiros da política paraibana. 

Bosco Gaspar

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