quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Zé Gomes e Pitanga e a ‘batalha’ para mudar o nome da cidade


Intelectual de profunda retórica Praxedes Pitanga justificava a mudança de nome do município, em 1980 em entrevista a pesquisadores universitários, da seguinte forma: “Essa questão de nome de lugar traduz em si certo esnobismo. Cada povo, cada grupo humano, cada indivíduo se situa dentro de uma mística, ou seja, de acordo com aquilo que supõe ser verdade. Desde de muito moço eu me insurjo contra aquilo que não é história, embora pareça sê-lo... minha terra não tinha razão para se chamar Misericórdia. Com efeito: os povoadores da região, talvez inspirados nos costumes do tempo, iam dando as feitorias que plantavam o nome do santo do dia, ou de um acontecimento notável. Dou exemplo com os nomes de Conceição (invocação de Nossa Senhora), São Paulo, São Boa ventura, Santa Maria, Santana, e assim por diante. Nunca consegui saber o porque desse nome de Misericórdia. Bati os arquivos dos cartórios e da paróquia; ouvi várias pessoas mais velhas, e não encontrei motivos para tal nome”. 

A historicidade do nome vem em decorrência da sua vida religiosa, Itaporanga surgiu, em 1863, como freguesia com o nome de Nossa Senhora da Conceição de Misericórdia, como nos mostra documentações da época. Porém, o nome que viria - Itaporanga - de origem tupi-guarani que significa “Pedra Bonita”, também não possui em si historicidade, uma vez que os índios que habitavam a região do atual município não eram tupi, mas sim cariri, os tapuias. Talvez, o que soasse mal aos ouvidos de Pitanga fosse o nome Misericórdia, que deveria ser mudada a qualquer custo, como nos faz notar em outro trecho de sua entrevista, quando após levar uma primeira recusa do Conselho de Geografia e História, em João Pessoa, retoma em sua empreitada, obstinado que estava: “Pouco tempo depois, indo eu, eventualmente, ao palácio do governo deparei-me ali com o professor José de Melo, e Dr. José Mariz, que estavam dando os último retoques no novo quadro administrativo referente aos municípios, povoações ou distritos do Estado, na conformidade de decreto recentemente baixado pelo governo federal, que autorizava modificação justificável e de âmbito racional, na toponímia dessas entidades, por decreto dos respectivos governos estaduais. Eu então lhes disse em forma de cavaco, em tom amistoso... É isto mesmo, vocês estão corrigindo os nomes errados de vários municípios. Só não corrigem o de Misericórdia. Nome agourento, e interjeição de dor...” O nome Misericórdia, talvez soasse mal aos ouvidos de Pitanga, não por ser algo agourento ou interjeição de dor, mas, de acordo com a tradição local, por ser muitas vezes motivo de chacota de outras localidades - como poderia se chamar Misericórdia um lugar com a fama de cidade violenta. E realmente, em períodos passados, era muito comum a luta entre as oligarquias locais, refregas familiares que presenciaram muito derramamento de sangue. O próprio Praxedes Pitanga vivenciou isto em sua história pessoal quando criança, com os episódios entre seu avô materno, João Severino da Silva e o deputado Antônio Tomaz deAquino. 


No Brasil, na década de 1930 a 40 ocorreram várias mudanças de nomenclatura de municípios, no Nordeste houve uma febre de nomes tupi-guarani nas localidades e Pitanga propôs para Misericórdia o nome de Itaporanga, como ele falava: “Eu então lembrei - Itaporanga para substituir Misericórdia. E justificando a mudança adiantei: existe bem próximo à cidade um majestoso serrote. Em tupi-guarani, Itaporanga significa Pedra Bonita. Como se vê em tal caso, que aquele símbolo pétreo plantado pela natureza bem se prestaria para dar nome à cidade; e por extencividade, ao município”. Se antes o nome Misericórdia não era considerado histórico por Pitanga, “por ser dado a santa do dia”, como dissera antes, agora lhe dava a pedra do dia, caracterizando-se mais pelo aspecto geográfico do que o histórico. Na verdade era uma questão pessoal do próprio Pitanga a mudança de nome. Seu poder de influência, não só a nível local, em Misericórdia, mas a nível estadual é bem descrito num momento em que ele descobre que o nome de Itaporanga já existia em uma localidade paraibana: “Nessa altura, observou o professor José de Melo: Itaporanga”. Mas será que o pessoal do povoado próximo a Cabaceiras não reagiu? E, será que foi tal simples assim o processo de convencimento pela mudança de nome, como narrou Pitanga? O nome Itaporanga não pegaria num primeiro instante, como a maioria dos nomes impostos. Principalmente a facção oposta a Pitanga, liderada pelo seu primo, o médico e ex-aliado José Gomes da Silva, que era o prefeito de Misericórdia naquele período. O poder de influência de Pitanga junto aos seus comandados era muito bem explicado por ele em um fato que já faz parte, não só da tradição, como do folclore local: “Convoquei os correligionários mais influentes, e lhes comuniquei: nossos adversários estão espalhando que os meus próprios amigos não estão querendo o novo nome. Portanto, quando se referirem à cidade, ou ao município, não digam Misericórdia”. Entre os correligionários convocados, figurava um muito ignorante; porém, muito mais que isto, leal e obediente. Certa vez foi ele confessar-se, o padre finalizamdo a confissão mandou que rezasse a “Salve Rainha”, e começou confidente “salve rainha, mãe de Itaporanga”. O confessor surpreendido reclamou: que heresia é esta meu filho! Diga salve rainha, mãe de Misericórdia. O confidente se explicou: “Sr. Vigário, eu só digo Itaporanga; Dr. Pitanga não quer que se diga Misericórdia ... (sic)”. O nome de Misericórdia viria a ser substituído em 1938, pelo decreto-lei estadual no. 1.164, de 15 de novembro, é quando pela primeira vez, em documento oficial se lê Itaporanga, ao invés de Misericórdia. Porém, cinco anos depois, em 1943, por conta de outro Decreto-Lei de nº 520, voltaria a chamar-se Misericórdia, frustrando todas as estratégias de Pitanga para que o nome pegasse, favorecendo o grupo rival de José Gomes, contrário a mudança. Mas, quem levaria a melhor nesta queda de braço, pela comprovação de poder local seria Praxedes Pitanga. Em 7 de janeiro de 1948, por outro decreto estadual o de n° 318 Misericórdia voltou definitivamente a chamar-se Itaporanga. Nome que permanece até hoje. Após quase 11 anos, quando o município havia mudado de nome três vezes. 

Por outro lado, segundo palavras do Major Abdon, Praxedes Conserva da Silva Pitanga costumava dizer: “Minha matéria poderá envelhecer, minha essência, jamais”. Assim, chegamos aos idos de 30. Aquele jovem vaidoso continuava o sendo, e Misericórdia, hoje Itaporanga, viveu momentos de intranquilidade e muito reboliços em 1930. 
Aquele jovem vaidoso continuava o sendo, e já se fazia presente na política local. Sua ojeriza pelo nome Misericórdia sempre o acompanhou. É bem verdade, os amigos políticos de Pitanga gostavam de fazer desfrute pela alcunha do município – “eles têm misericórdia dos que matam!” - Aquelas brincadeiras deixavam o seu íntimo muito magoado. Naqueles idos de 1943 seu adversário e parente, o médico Dr. José Gomes da Silva, que tinha como correligionário, na ocasião, um jovem doutorando em medicina, vindo de Piancó, mais precisamente, do distrito de Olho D'água, Balduino Minervino de Carvalho, conseguiu anular o DC-1164, com outro, o de número 520, tirando o nome de Itaporanga e o colocando novamente o de Misericórdia. Dr. José Gomes, eleito Deputado Federal pela vontade do povo, nas umas, com o voto da população, na ocasião era pródigo em prestígio, esbanjava-se de poderes políticos, inclusive, já fora nomeado Interventor da Paraíba, no impedimento do governador do Estado. 

Porque Pitanga venerava tanto o termo Itaporanga? Seria pelo belo significado em tupi, Lindo Rochedo, Pedra Bonita? Inquirido, certa vez e por muitas outras, conhecedor de Praxedes da Silva Pitanga, a quem recebera e aconselhara, muitas vezes, em sua casa, Major Abdon costumava responder, pondo a verdade à tona: “Eu conheço por demais, Pitanga! Ele, sempre foi muito vaidoso, até na formação do seu nome extra. A escolha de Itaporanga surgiu, porque estes termos contem as letras da palavra Pitanga. Abdon Leite, realmente era muito perspicaz. Ele conseguiu ver muito mais, no termo ITAPORANGA, que o próprio Pitanga que, certa vez, sabedor do trocadilho silábico, sorriu e disse: “Realmente, o Major não só é um homem inteligente e culto como merece todo nosso respeito, apreço e admiração, é um meu grande amigo e foi, outrora, meu conselheiro, apesar da diferença de nossas idades”. Na verdade, o Major Abdon Leite era mais velho que Praxedes Pitanga, 26 anos, nascera em 1870. 

Outro fato interessante e merece registro é que, apesar do nome oficial, nos registros em cartório, Misericórdia, ainda teimava na boca do povo até fins da década de 60 e começo da, de 70. Em meados desta década, talvez, em virtude da geração nascida e registrada em Itaporanga é que o nome começou a ganhar a preferência da população mais jovem. Com efeito, atravessamos então os anos oitenta já com o grosso da população, desconhecendo completamente Misericórdia. Hoje em dia, há, ainda, muita gente na faixa dos setenta que, na maioria das vezes, prefere Misericórdia a Itaporanga. 

Revista "Itaporanga, 144 anos de história"

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